quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Declaração do Parlamento das Religiões do Mundo


Ser autenticamente humano, no espírito das grandes religiões e tradições éticas nomundo de hoje, significa o seguinte:
em vez de desperdiçar o poder econômico e político em batalhas implacáveis peladominação, devemos utilizá-lo para o serviço da humanidade: num espírito de compaixãopara com os que sofrem e com cuidado especial pelos pobres, deficientes, idosos,refugiados e os solitários;
em vez de pensar apenas em poder e políticas de poder ilimitado, e nas lutas competitivasinevitáveis, deveria prevalecer um respeito mútuo, um equilíbrio razoável de interesses eum esforço para a mediação e a consideração;
em vez da avidez insaciável por dinheiro, prestígio e consumo, o sentido de moderação emodéstia deveria voltar a reinar. Pois na avidez os humanos perdem as suas almas,liberdade interior e, portanto, aquilo que os faz humanos.
1.Para uma cultura de tolerância e uma vida honrada
a)Incontáveis seres humanos, de todas as regiões e religiões, lutam ainda em nossos diaspara levar uma vida de honestidade e honradez. E no entanto existem no nosso mundode hoje mentiras e imposturas sem fim, fraudes e hipocrisia, ideologias e demagogia:
políticos e empresários que usam mentiras como caminho para o sucesso;
meios de comunicação de massa que divulgam propaganda ideológica em vez dereportagens cuidadosas, desinformação no lugar de informação;
cientistas e pesquisadores que se entregam a programas políticos ou ideológicosmoralmente questionáveis ou a grupos de interesses econômicos, e que se esforçam parajustificar pesquisas e experimentos que violam valores éticos fundamentais;
representantes de religiões que rejeitam membros de outras como se tivessem poucovalor, e que pregam o fanatismo e a intolerância em vez de respeito, entendimento etolerância.
b)Contudo, nas grandes religiões antigas e tradições éticas da humanidade, encontramos oensinamento: não mentirás! Ou, em termos positivos: diga a verdade! De fato, nenhumamulher ou homem, nenhuma instituição, nenhum Estado, igreja ou comunidade religiosatêm o direito de dizer inverdades a outros seres humanos. Isso é especialmente verdadepara:
Os meios de comunicação de massa, aos quais o direito de liberdade de imprensa e dereportagem, para o bem da verdade, é assegurado e aos quais, portanto, o posto deguardião é concedido; não devem ficar acima da moralidade, mas a serviço da dignidade,dos direitos humanos e dos valores fundamentais; devem estar a serviço da objetividade,lealdade e preservação da dignidade pessoal; não têm o direito de imiscuir-se na esfera daprivacidade humana, manipular a opinião pública ou distorcer a realidade.
Artistas e cientistas, a quem liberdade artística e acadêmica é assegurada; não estãodispensados de padrões éticos gerais e devem servir sinceramente à verdade.
Políticos que, se mentirem para seus povos, desperdiçam sua credibilidade e não merecemser reeleitos.
Finalmente, representantes das religiões. Quando incitam o preconceito, o ódio e ainimizade para com aqueles que professam credos diferentes, não merecem adeptos.
c)Portanto, os jovens devem aprender, já nos seus lares e nas escolas, a pensar, falar eagir conforme a verdade. Todos os seres humanos têm direito à verdade. Têm tambémdireito à informação necessária e à educação, para que estejam aptos a tomar asdecisões que serão formativas para suas vidas. Sem uma orientação ética fundamental,dificilmente poderão distinguir o importante do insignificante, na atual torrente diária deinformações. Padrões éticos vão ajudá-los a identificar quando os fatos estiveremdistorcidos, os interesses velados, as tendências manipuladas e as opiniões tornadasabsolutas.
d)Ser autenticamente humano, no espírito das nossas grandes religiões e tradições éticasno mundo de hoje, significa o seguinte:
em vez de desonestidade, de uma adaptação à vida dissimulada e oportunista, devemoscultivar o espírito da verdade também nas relações diárias entre os seres humanos;
em vez de espalhar meias-verdades ideológicas ou partidárias, devemos sempre procurar averdade com uma sinceridade incorruptível;
em vez de confundir liberdade com arbitrariedade e pluralismo com indiferença, elevemos averdade;
em vez de correr atrás do oportunismo, devemos respeitar com lealdade e constância averdade uma vez encontrada.
2.Para uma cultura de direitos iguais e parceria entre homens e mulheres
a)Incontáveis seres humanos, de todas as regiões e religiões, lutam para viver suas vidasnum espírito de parceria entre homens e mulheres, de ação responsável nas áreas doamor, sexualidade e família. Contudo, em todo o mundo existem formas condenáveis depatriarcalismo, dominação de um sexo sobre o outro, exploração de mulheres, abusosexual de crianças e prostituição forçada. As diferenças sociais neste planeta não rarolevam à prostituição como um meio de sobrevivência, particularmente pelas mulheres dospaíses menos desenvolvidos.
b)Contudo, nas grandes religiões antigas e nas tradições éticas da humanidadeencontramos o ensinamento: não cometas imoralidades sexuais! Ou, em termos positivos:respeita e ama o próximo! Concretamente, isso significa: ninguém tem o direito dedegradar outros a meros objetos sexuais, forçá-los ou prendê-los numa dependênciasexual. A exploração sexual deve ser condenada como uma das piores formas dedegradação humana. Onde quer que - inclusive em nome de convicções religiosas - adominação de um sexo sobre o outro for pregada, e a exploração sexual tolerada, ondequer que a prostituição seja promovida, ou que crianças sejam abusadas, a resistência éimperiosa.
c)Portanto, jovens mulheres e homens deveriam aprender, já em seus lares e nas escolas,que a sexualidade é fundamentalmente não uma força negativa, destrutiva ouexploradora, mas uma força criativa. Sua função como formadora da afirmação da vidacomunitária pode ser aplicada, principalmente se for vivida com responsabilidade pelafelicidade própria e pela do parceiro. A relação entre homens e mulheres tem certamenteuma dimensão sexual, mas a realização humana não é idêntica à felicidade sexual. Asexualidade deve ser a expressão e a reafirmação de uma relação amorosa vivida emparceria. Inversamente, contudo, algumas tradições religiosas conhecem o ideal de umarenúncia voluntária do uso completo da sexualidade; essa renúncia pode também ser umaexpressão de identidade e uma realização significativa.
A forma de casamento socialmente institucionalizada que, apesar de suas variações culturaise religiosas, é caracterizada pelo amor, fidelidade e permanência, busca, e deve garantir,segurança e apoio mútuo ao marido, mulher e filhos e assegurar seus direitos. É nocasamento que a relação entre a mulher e o homem deve ser caracterizada não por umcomportamento de superioridade ou exploração, mas pelo amor, parceria e confiança. Todasas regiões e culturas deveriam desenvolver relações econômicas e culturais que tornassempossível o casamento e a família dignos dos seres humanos, principalmente para as pessoasidosas. Os pais não deveriam explorar os filhos, nem estes os pais; sua relação deveria, sim,refletir respeito, apreço e interesse mútuos.
d)Ser autenticamente humano, no espírito das nossas grandes religiões e tradições éticasno mundo de hoje significa:
em vez de dominação ou degradação patriarcal, que são a expressão da violência e gerama contra-violência, respeito mútuo, parceria, entendimento e tolerância;
em vez de qualquer forma de lascívia sexual possessiva, ou abuso sexual, respeito mútuo,tolerância, prontidão para a reconciliação e amor. Apenas o que já foi vivido no plano dasrelações pessoais e familiares pode ser praticado ao nível das nações e religiões.
1.Uma transformação da consciência
Toda experiência histórica demonstra o seguinte: nosso planeta não pode ser mudado, a nãoser que num futuro não muito distante uma alteração na consciência dos indivíduos sejaalcançada. Isso já foi verificado em áreas como a guerra e a paz, ou economia e ecologia. Eé precisamente em relação a essa mudança interior, a essa transformação da totalidade damente, do "coração", que as religiões têm especial responsabilidade. Estamos conscientes,contudo, de que um consenso universal sobre diversas questões individuais e éticascontrovertidas (desde ética sexual e bioética, passando pela ética científica e dos meios decomunicação, até a ética política e econômica) será dificilmente conseguido. Em todo caso,mesmo para muitas questões ainda controversas, soluções diferenciadas devem serbuscadas no espírito dos princípios fundamentais aqui conjuntamente desenvolvidos.
Em diversas áreas da vida, já surgiu uma nova consciência das responsabilidades éticas.Portanto, ficaríamos especialmente contentes se o maior número possível de associaçõesprofissionais nacionais ou internacionais, como as dos físicos, cientistas, homens denegócios, jornalistas e políticos, pudessem juntar-se para ditar códigos de ética.
Acima de tudo, seria bom se cada religião em particular também formulasse sua éticaespecífica: aquilo que ela tem a dizer, sustentado pela tradição de sua fé, a respeito, porexemplo, do sentido da vida e da morte; sobre como suportar os sofrimentos e o perdoar asculpas; sobre o sacrifício desinteressado e a necessidade da renúncia, compaixão e alegria.Tudo isso será compatível com uma ética global e pode até mesmo aprofundá-la, torná-lamais específica e concreta.
Estamos convencidos de que uma nova ordem global só pode ser melhor num mundosocialmente benéfico e pluralista, de relações de parceria e promoção da paz, de respeito aomeio ambiente e ecumênico. Portanto, apoiados em nossas convicções religiosas,comprometemo-nos com uma ética global comum e convidamos todas as mulheres e homensde boa vontade a fazer desta sua própria declaração.

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