quinta-feira, 30 de abril de 2009

O amor é a resposta (Pe Zezinho)


E assim foi que aprendi
Olhando ao meu redor
Que o mundo é muito triste sem amor
Que a vida não tem graça se eu não amo.
Nem tudo o que eu sonhar será como eu sonhei
Porém, se eu não tentar jamais eu saberei
O gosto de viver
O gosto de esperança!

E assim foi que aprendi
Na hora de sofrer
Que nada faz sentido sem perdão
Que se eu não perdoar eu me enveneno.
E, se eu viver querendo eterna compreensão
Jamais aprenderei do amor esta lição
O amor é bom demais
Porém às vezes dói!

E assim foi que aprendi
Olhando aquela cruz
Olhando aqueles olhos a sofrer
E aquele coração sangrando aberto:
Não haverá mais pão se o trigo não morrer
Não há libertação sem risco de perder
O amor que é prazer
Também tem seus tormentos!

E assim foi que aprendi olhando para o céu
Que o mundo quase nunca satisfaz
Sem Deus nenhum sistema traz a paz.
Eu sei que a religião também pode enganar
Não há libertação se eu não me questionar

A vida é uma questão
O amor é uma resposta...

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O Velho (Chico Buarque-1968)

O velho sem conselhos

De joelhos
De partida
Carrega com certeza

Todo o peso

Da sua vida
Então eu lhe pergunto pelo amor

A vida inteira, diz que se guardou
Do carnaval, da brincadeira

Que ele não brincou

Me diga agora
O que é que eu digo ao povo

O que é que tem de novo

Pra deixar
Nada
Só a caminhada
Longa, pra nenhum lugar

O velho de partida
Deixa a vida
Sem saudades
Sem dívidas, sem saldo

Sem rival

Ou amizade
Então eu lhe pergunto pelo amor

Ele me diz que sempre se escondeu

Não se comprometeu

Nem nunca se entregou

E diga agora

O que é que eu digo ao povo

O que é que tem de novo

Pra deixar
Nada
E eu vejo a triste estrada
Onde um dia eu vou parar

O velho vai-se agora

Vai-se embora

Sem bagagem

Não se sabe pra que veio

Foi passeio

Foi Passagem

Então eu lhe pergunto pelo amor

Ele me é franco

Mostra um verso manco

De um caderno em branco

Que já se fechou

Me diga agora

O que é que eu digo ao povo

O que é que tem de novo

Pra deixar

Não

Foi tudo escrito em vão
E eu lhe peço perdão
Mas não vou lastimar

sexta-feira, 24 de abril de 2009

As Chances que dou pra mim...

Talvez a operação matemática mais dificil em determinados momentos em que a intempestividade nos leva a atitudes impensadas, seja aquela de simplesmente contar até três. Por ver muitas vezes lamentações, desculpas, arrependimentos se fazerem presentes, quando seriam totalmente desnecessários se tivéssemos parado, simplesmente usando três segundos para o "nada". As vezes é no silêncio que se fala alto, as vezes é no "nada" que se encontra muito. E quase sempre quando desejamos tudo é que nos perdemos em nós mesmos. E colocamos nos outros responsabilidades que quase sempre deixamos de notificá-los a respeito das mesmas. Tudo isso por fazermos segredos do nosso amor, carinho, compreensão, cumplicidade etc. Tão logo tomei conhecimento dessa infalível saída matemática, aprendi que não posso, não devo pré julgar o meu próximo. Dou a ele sempre as mesmas chances que dou a mim mesmo. Não me justifico mais. Mas, me explico sempre. Quase sempre. Na raivosa ofensa dirigida a mim, espero a calma e perdôo até o perdão não pedido e, desculpo a desculpa muda numa retificação que não vem. Mas quando retificado, acalmo meu coração e dou-me a chance de sentir-me belo, apreciando a atitude maior e humilde de um sorriso que meus olhos enxergam. Dar-me-ei sempre as chances que me forem necessárias para continuar trilhando o tão dificil caminho das coisas que acredito. Dou-me a chance de me reconhecer dia a dia um Homem simples, comum. Felizes são alguns amigos meus que se permitem a humilde tarefa de perdoar, a humilde tarefa de pedir perdão. Quero seguir assim sem desistir nunca das chances que dou pra mim. hacs

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Cozinha (Rubem Alves)




Qual é o lugar mais importante da sua casa? Eu acho que essa é uma boa pergunta para início de uma sessão de psicanálise. Porque quando a gente revela qual é o lugar mais importante da casa, a gente revela também o lugar preferido da alma. Nas Minas Gerais onde nasci o lugar mais importante era a cozinha. Não era o mais chique e nem o mais arrumado. Lugar chique e arrumado era a sala de visitas, com bibelôs, retratos ovais nas paredes, espelhos e tapetes no chão. Na sala de visitas as crianças se comportavam bem, era só sorrisos e todos usavam máscaras. Na cozinha era diferente: a gente era a gente mesmo, fogo, fome e alegria.

"Seria tão bom, como já foi...", diz a Adélia. A alma mineira vive de saudade. Tenho saudade do que já foi, as velhas cozinhas de Minas, com seus fogões de lenha, cascas de laranja secas, penduradas, para acender o fogo, bule de café sobre a chapa, lenha crepitando no fogo, o cheiro bom da fumaça, rostos vermelhos. Minha alma tem saudades dessas cozinhas antigas...

Fogo de fogão de lenha é diferente de todos os demais fogos. Veja o fogo de uma vela acesa sobre uma mesa. É fogo fácil. Basta encostar um fósforo aceso no pavio da vela para que ela se acenda. Não é preciso nem arte nem ciência. Até uma criança sabe. Só precisa um cuidado: deixar fechadas as janelas para que um vento súbito não apague a chama. O fogo do fogão é outra coisa. Bachelard notou a diferença: "A vela queima só. Não precisa de auxílio.
A chama solitária tem uma personalidade onírica diferente da do fogo na lareira. O homem, diante de um fogo prolixo pode ajudar a lenha a queimar, coloca uma acha suplementar no tempo devido. O homem que sabe se aquecer mantém uma atitude de Prometeu. Daí seu orgulho de atiçador perfeito..." Fogo de lareira é igual ao fogo do fogão de lenha. Antigamente não havia lareiras em nossas casas. O que havia era o fogo do fogão de lenha que era, a um tempo, fogo de lareira e fogo de cozinhar.

As pessoas da cidade, que só conhecem a chama dos fogões a gás, ignoram a arte que está por detrás de um fogão de lenha aceso. Se os paus grossos, os paus finos e os gravetos não forem colocados de forma certa, o fogo não pega. Isso exige ciência. E depois de aceso o fogo é preciso estar atento. É preciso colocar a acha suplementar, do tamanho certo, no lugar certo. Quem acende o fogo do fogão de lenha tem de ser também um atiçador.

O fogão de lenha nos faz voltar "às residências de outrora, as residências abandonadas mas que são, em nossos devaneios, fielmente habitadas" (Bachelard). Exupèry, no tempo em que os pilotos só podiam se orientar pelos fogos dos céus e os fogos da terra, conta de sua emoção solitária no céu escuro, ao vislumbrar, no meio da escuridão da terra, pequenas luzes: em algum lugar o fogo estava aceso e pessoas se aqueciam ao seu redor.

Já se disse que o homem surgiu quando a primeira canção foi cantada. Mas eu imagino que a primeira canção foi cantada ao redor do fogo, todos juntos se aquecendo do frio e se protegendo contra as feras. Antes da canção, o fogo. Um fogo aceso é um sacramento de comunhão solitária. Solitária porque a chama que crepita no fogão desperta sonhos que são só nossos. Mas os sonhos solitários se tornam comunhão quando se aquece e come.

Nas casas de Minas a cozinha ficava no fim da casa. Ficava no fim não por ser menos importante mas para ser protegida da presença de intrusos. Cozinha era intimidade. E também para ficar mais próxima do outro lugar de sonhos, a horta-jardim. Pois os jardins ficavam atrás. Lá estavam os manacás, o jasmim do imperador, as jabuticabeiras, laranjeiras e hortaliças. Era fácil sair da cozinha para colher xuxús, quiabo, abobrinhas, salsa, cebolinha, tomatinhos vermelhos, hortelã e, nas noites frias, folhas de laranjeira para fazer chá.

Ah! Como a arquitetura seria diferente se os arquitetos conhecessem também os mistérios da alma! Se Niemeyer tivesse feito terapia, Brasília seria outra. Brasília é arquitetura de arquitetos sem alma. Se eu fosse arquiteto minhas casas seriam planejadas em torno da cozinha. Das coisas boas que encontrei nos Estados Unidos nos tempos em que lá vivi estava o jeito de fazer as casas: a sala de estar, a sala de jantar, os livros, a escrivaninha, o aparelho de som, o jardim, todos integrados num enorme espaço integrado na cozinha. Todos podiam participar do ritual de cozinhar, enquanto ouviam música e conversavam. O ato de cozinhar, assim, era parte da convivência de família e amigos, e não apenas o ato de comer. Eu acho que nosso costume de fazer cozinhas isoladas do resto da casa é uma reminiscência dos tempos em que elas eram lugar de cozinheiras negras escravas, enquanto as sinhás e sinhazinhas se dedicavam, em lugares mais limpos, a atividades próprias de dondocas como o ponto de cruz, o frivolité, o crivo, a pintura e a música. Se alguém me dissesse, arquiteto, que o seu desejo era uma cozinha funcional e prática, eu imediatamente compreenderia que nossos sonhos não combinavam, delicadamente me despediria e lhes passaria o cartão de visitas de um arquiteto sem memórias de cozinhas de Minas.

As cozinhas de fogão de lenha não resistiram ao fascínio do progresso. As donas de casa, em Minas, por medo de serem consideradas pobres, dotaram suas casas de modernas cozinhas funcionais, onde o limpíssimo e apagado fogão à gás tomou o lugar do velho fogão de lenha. As cozinhas, agora, são extensões da sala de visitas. Mas isto é só para enganar. A alma delas continua a morar nas cozinhas velhas, agora transferidas para o quintal, onde a vida é como sempre foi. Lá é tão bom, porque é como já foi.

Eu gostaria de ser muitas coisas que não tive tempo e competência para ser. A vida é curta e as artes são muitas. Gostaria de ser pianista, jardineiro, artista de ferro e vidro - talvez monge. E gostaria de ter sido um cozinheiro. Babette. Tita. Meu pai adorava cozinhar. Eu me lembro dele preparando os peixes, cuidadosamente puxando a linha que percorre o corpo dos papa-terras, curimbas, para que não ficassem com gosto de terra. E me lembro do seu rosto iluminado ao trazer para a mesa o peixe assado no forno.

Faz tempo, num espaço meu, eu gostava de reunir casais amigos uma vez por mês para cozinhar. Não os convidava para jantar. Convidava para cozinhar. A festa começava cedo, lá pelas seis da tarde. E todos se punham a trabalhar, descascando cebola, cortando tomates, preparando as carnes. Dizia Guimarães Rosa: "a coisa não está nem na partida e nem na chegada, mas na travessia." Comer é a chegada. Passa rápido. Mas a travessia é longa. Era na travessia que estava o nosso maior prazer. A gente ia cozinhando, bebericando, beliscando petiscos, rindo, conversando. Ao final, lá pelas onze, a gente comia. Naqueles tempos o que já tinha sido voltava a ser. A gente era feliz.

Sinto-me feliz cozinhando. Não sou cozinheiro. Preparo pratos simples. Gosto de inventar. O que mais gosto de fazer são as sopas. Vaca atolada, sopa de fubá, sopa de abóbora com maracujá, sopa de beringela, sopa da mandioquinha com manga, sopa de coentro... Você já ouviu falar em sopa de coentro? É sopa de portugueses pobres, deliciosa, com muito azeite e pão torrado. A sopa desce quente e, chegando no estômago, confirma...A culinária leva a gente bem próximo das feiticeiras. Como a Babette (A festa de Babette) e a Tita (Como água para chocolate)... (Correio Popular, Caderno C, 19/03/2000.)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A Palo Seco

Dudu Braga "É preciso saber viver"

Roberto Carlos Braga II, o Segundinho, filho do cantor Roberto Carlos, está com 37 anos. Publicitário de formação, é apresentador de rádio e TV, produtor musical e empresário. Ficou muito conhecido na novela "América", da Rede Globo, interpretando a si mesmo, Dudu Braga, no quadro "É preciso saber viver", em que entrevistava pessoas com deficiência da vida real. Quando era criança auto-apelidou-se de Dudu, em função de uma música do cantor Eduardo Araújo.

Confira entrevista exclusiva ao Jornal da AME:

AME - Como ocorreu sua deficiência?

Dudu Braga - Nasci com glaucoma congênito e fiz sete cirurgias nos 3 primeiros anos de vida. Tinha a visão absolutamente normal até os 22 anos de idade. Tive, então, descolamento de retina e perdi completamente a visão, ou melhor tenho 5% de visão no olho esquerdo.

AME - Qual foi o impacto da deficiência visual em sua vida?

Dudu Braga - Total, porque sempre fiz muito esporte, fui muito ativo e independente. O primeiro impacto é a perda da liberdade, da mobilidade, de ir e vir. A cegueira foi gradativa, a partir dos 22 anos até os 24. Nesse tempo, fui me adaptando e me acostumando com a nova situação. Fiquei com um monte de questionamentos, natural em quem fica com deficiência. O apoio da minha família e amigos foi super-importante. Mas o impacto maior foi a perda da mobilidade, seguida do período de adaptação. O que me ajudou também foi o meu bom-humor.

AME - Algum fator externo em sua infância ou em sua vida influenciou em sua forma de encarar a sua deficiência?

Dudu Braga - Veja só, meu pai tem fama de ser supersticioso e eu nasci justamente em um sábado, dia 14, após uma sexta-feira 13, no dia de Santa Luzia, que é padroeira da visão. Ele sempre deu muito valor às coisas e sempre respeitou todas as pessoas. Meu pai e minha mãe, sempre tiveram essa postura em relação à vida, me ensinaram a ser profundo nos relacionamentos e ver a vida pelo lado positivo. Eles me influenciaram com otimismo e positividade. Minha família é de origem humilde, e isso me ajudou a dar valor à vida, a tudo que temos, nunca fomos de esbanjar. Esse reflexo trago na vida comigo: ter prazer com as coisas simples da vida, ele sempre cultivou isso.

AME - Em seu dia a dia, como você lida com sua deficiência visual?

Dudu Braga - Hoje em dia eu tenho uma pessoa que anda comigo, aliás, uma não, algumas (os seguranças). Mas sou totalmente adaptado, tenho meu computador, o software leitor de telas, virtual vision, que é muito legal. Sou assíduo ouvinte de rádio para me manter informado. Tenho a necessidade de estar informado. Recebo a veja em formato eletrônico. Me mantenho antenado com as coisas que acontecem no mundo. Adoro TV e rádio, ligo todos juntos.

AME - Quais foram os aspectos mais difíceis e como lidou com eles, após sua deficiência?

Dudu Braga - Quando me tornei deficiente, profissionalmente não tive problemas, mas sentimentalmente fiquei muito encanado. Também não consegui aprender o braile, sou "analfabraile" (risos). Conhecia alguns artistas cegos, como Stevie Wonder e Serginho de Sá, mas sentimentalmente não sabia como era a vida dessas pessoas. Na época, quando fiquei sem a visão, tinha uma namorada, que perdi, também em função da deficiência. Fiquei pensando: será que vou conseguir suprir esse lado? Isso me deixou bem preocupado. Fui percebendo que se ficasse cabreiro, eu ia perder. Comecei a adotar umas táticas, a ir a lugares em que estava familiarizado, para não dar gafes, para me sentir mais seguro. Aos poucos fui desencanando, embora o preconceito exista mesmo. Aliás, sentia-o na pele, pois as pessoas se afastavam. Quando a gente lida com a deficiência de forma natural, depois se acostuma. Agora está tudo bem, estou no segundo casamento.

AME - O que representou para você a participação na novela "América" e qual foi a repercussão?

Dudu Braga - Foi muito legal. A abordagem que foi dada foi importante. Importantíssima, aliás. Foi colocada de uma maneira natural, geralmente era colocado de forma piegas. Alguns filmes que abordam a deficiência, apenas mostravam o deficiente tentando superar a deficiência, aqueles que voltam a enxergar, voltam a andar. Da forma que foi colocado, o Jatobá queria recuperar a amada de quando era jovem, levando a vida absolutamente normal. Isso foi muito importante. E no programa "É preciso saber viver" sabemos que se tratava de ficção que incluía pessoas reais. A televisão supriu uma coisa importante: a informação, a cobertura em horário nobre. Foi muito legal mostrar a história social. A repercussão foi super-positiva, a história continua com as instituições que ganharam uma visibilidade tremenda. E a deficiência, para as outras pessoas, tem que ser colocada dessa forma, e não de forma impositiva, antipática. A relação tem que ser colocada de modo mais natural, como foi na novela. Esse é o caminho.

AME - O espaço ocupado hoje pelas pessoas cegas na sociedade é proporcional ao sucesso do Dudu Braga?

Dudu Braga - Não. Mas eu conheço vários deficientes que se colocam na vida de forma positiva. Eu acho que não é proporcional em relação à população. Se dividisse em camadas, teria que ser equivalente. Mas está caminhando para isso, para ocupar cada vez mais espaço na sociedade. A política de cotas é necessária, não sou favorável, mas é necessária. Já que não acontece de forma natural, promove integração entre pessoas com e sem deficiência.

AME - Como se sente com a projeção e o sucesso que conquistou?

Dudu Braga - Nunca curti muito aparecer. Sempre trabalhei nos bastidores, faço programa de rádio há muito tempo, fico escondido, na produção musical, toco bateria, violão. Nunca imaginei que seria dessa forma. Tinha idéia de aparecer na TV há algum tempo, mas nunca imaginei na Globo, em horário nobre. No rádio tudo bem, mas na TV não era algo que eu almejasse. Eu tinha feito o piloto do programa, participei de uma mostra de fotos chamada "imagens da Inclusão". Houve um vídeo interno, e me perguntaram que música eu daria para essa superação. Escolhi a música do meu pai "É preciso fazer viver". Me veio a idéia de fazer um programa piloto pequeno, com a produtora Cena & Imagem Produções. Após alguns papos com a Glória (Peres, diretora da novela "América"), ela quis conhecer e deu super-certo. Ficou preservada a idéia original de mostrar pessoas com outras deficiências.

AME - A deficiência visual limitou seu vôo, suas conquistas?

Dudu Braga - Muito pelo contrário, ampliou!! Não sei se eu não fosse deficiente visual teria chegado onde cheguei. Não sei dizer, mas logo que me formei tive a deficiência. As coisas aconteceram bem naturalmente, nunca levantei na rádio a bandeira da deficiência. Não sei se teria chegado aonde cheguei.

AME - Quais são seus planos e expectativas para 2006?

Dudu Braga - Continuar esse trabalho de entrevistas. Vou apresentá-lo na Rede Record. Será um programa de entrevistas, geral, que vai abordar temas de responsabilidade social e pessoas com deficiência, aos sábados, no horário da manhã, com o nome "É preciso saber viver". Vai ser super-legal. Vou também continuar na rádio em que estou (Nativa FM - 95,3), todos os dias das 5h às 6h da manhã, de domingo a domingo. Tenho a idéia de levar o programa de entrevistas para o rádio. Não queria segmentar, queria um programa abrangente, bem direcionado. Queria fazer trabalho popular. Também pretendo continuar a tocar os instrumentos que gosto. Quem convidar, aceito e vou tocando.

AME - Poderia deixar uma mensagem para nossos leitores?

Dudu Braga - Os estereótipos causam uma pressão social tremenda. As pessoas com deficiência mostraram no programa que são felizes, realizadas, e que não estão dentro dos padrões estéticos. Para ser feliz não precisa ter tudo, é preciso saber viver.

extraído de: bengalalegal.com

domingo, 19 de abril de 2009

Frases de Famosos

Eu sou virgem.
(Milene Rodrigues, namorada de Ronaldinho, uma semana antes de anunciar que estava grávida).

Para que ter olhos azuis, se a natureza deixa os meus vermelhos?
(Bob Marley)

Se o Pitta não for um bom prefeito nunca mais votem em mim.
(Paulo Maluf)

Vou me candidatar por São Paulo, porque sou São Paulino.
(Maguila)

Depois da derrota o pior resultado é o empate.
(Galvão Bueno)

Assista depois, capítulo inédito de Vale a Pena Ver de Novo.
(Galvão Bueno)

Adoro Beethoven, especialmente os seus poemas.
(Ringo Star)

Estou louca para ir a New York. Eu sempre quis conhecer a Europa.
(Carla Perez)

Quem é o dono do Clube Atlético Mineiro?
(Vinícius Jorge Vasconcelos)

Começa com a letra 'I', de Iscola?
(Carla Perez)

Meu hobby? Ah! Eu tenho um preto, mas gosto mais do vermelho.
(Carla Perez)

Um abraço a todos os goianos de Juiz de Fora.
(Carla Perez)

A carreira artística é difícil porque tem muitas dificuldades.
(Tiazinha)

Quando morrer, quero ser enterrada de bruços, para as pessoas me reconhecerem.
(Rita Cadillac, ex-chacrete)

Impressionante como as coisas caem do céu para mim.
(Suzana Werner)

Isso é coisa de viado.
(Pedro Bial, sem saber que estava no ar, após uma reportagem sobre um bailarino brasileiro).

O México jogou como nunca, perdeu como sempre.
(Manchete do jornal mexicano Excelsior, depois do jogo em que o Brasil ganhou de virada por 3x2)

As ruas da Filadélfia são seguras, são as pessoas que as fazem perigosas.
(Frank Rizzo, Major e Chefe de Polícia).

A Internet é um grande caminho para se conectar a rede.
(Bob Dole, candidato derrotado à presidência dos EUA).

Quanto mais e mais pessoas são despedidas do trabalho, isso resulta em desemprego.
(Calvin Coolidge, ex-presidente dos EUA).

A perda das vidas será irreversível.
(Dan Quayle, ex-Vice-Presidente dos EUA).

Metade deste jogo é 90% mental.
(Danny Ozark, técnico de futebol americano).

Olha só que lindo, a Torcida Palmeirense homenageando o seu time.
(Galvão Bueno, na Final da Libertadores do Ano passado, enquanto a torcida gritava 'Filho da Puta, Filho da Puta' para o Juiz)

Salvador não é capital da Bahia, é uma cidade.
(Carla Perez)

Fala de onde? Blumenau... Oba! Mais um gaúcho...
(Carla Perez)

Nem que eu tivesse dois pulmões eu alcançava essa bola.
(Bradock, amigo de Romário, reclamando de um passe longo)

A partir de agora meu coração tem uma cor só: rubro-negro.
(Fabão, zagueiro baiano, ao chegar para jogar no Flamengo)

No México que é bom. Lá a gente recebe SEMANALMENTE, de 15 em 15 dias.
(Ferreira, jogador de futebol, ex-ponta-esquerda do Santos)

Quando o jogo esta a mil, minha naftalina sobe.
(Jardel, jogador de futebol, ex-atacante do Grêmio e da Seleção Brasileira)

O meu clube estava a beira do precipício, mas tomou a decisão correta: deu um passo a frente.
(João Pinto, jogador de futebol do Benfica de Portugal)

A CAMPEÃ DE TODAS!!!
Estavam na concentração do Flamengo Jamir e Fábio Baiano, quando o segundo lendo a revista CARAS, falou:

- PORRA, JAMIR, ESSE CARA É MUITO RICO MESMO, OLHA A CASA DELE.

- VOCÊ NÃO O CONHECE? ESTE É O ABÍLIO DINIZ, DONO DO PÃO DE AÇUCAR.
ENTÃO O FÁBIO BAIANO ARREMATA:

- PÔ!!! NÃO SABIA QUE ESSES BONDINHOS DAVAM TANTO DINHEIRO.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Altruísmo


A palavra altruísmo foi criada por Auguste Comte, filósofo francês, que em 1830, a caracterizou como o grupo de disposições humanas, sejam elas individuais ou coletivas, que inclinam os seres humanos a se dedicarem aos outros. Portanto altruismo não é sinônimo de solidariedade como muitos pensam, é um conceito muito mais amplo. É um conceito que se opõe ao egoísmo (inclinações específica e exclusivamente individuais individuais ou coletivas).

Na definição comtiana o altruísmo enquanto virtude é a atitude de viver para os outros. Para que uma pessoa seja altruísta precisa dominar os instintos egoístas, que existem naturalmente em todo o ser humano, fazendo emergir as inclinações benévolas, que também estão sempre presentes.

Um homem altruísta age de modo a conciliar sua satisfação pessoal com o bem estar e a satisfação de seus semelhantes, de sua família e de sua comunidade. Instintos naturais de benevolência isoladamente não constituem o altruísmo. Irão constituir apenas se a pessoa conseguir dar caráter de habitualidade. Os instintos de benevolência, esporadicamente, emergem no comportamento humano. É preciso fazer do altruísmo um estado habitual que diminua e substitua continuamente os instintos egoístas, tornando-os menos ativos e mais controláveis. Esse processo de substituição de atitudes egoístas por atitudes altruístas pode ser ilustrado pela cultura agrícola do milho. Pois enquanto a planta nasce e cresce é necessária a constante atenção a fim de erradicar as ervas daninhas, porém depois que as plantas crescem elas mesmas abafam as plantas daninhas com seu vigor.

O entendimento do conceito de altruísmo tem a relevância filosófica de se referir às disposições naturais do ser humano, o que indica que o ser humano pode ser bom e generoso naturalmente, sem ser necessário a intervenção divina ou sobrenatural.

Segundo o pensamento comtiano o altruísmo apresenta-se em três categorias fundamentais: o apego, a veneração e a bondade. Da direção que vai do apego até a bondade, a intensidade do altruísmo diminui e, dessa forma, sua importância e sua nobreza aumentam. O apego diz respeito ao vínculo que os iguais possuem entre si. Já a veneração se refere ao vínculo que os mais fracos têm para com os mais fortes (ou o vinculo entre os que vieram depois para com os que vieram antes). E por fim, a bondade, é o sentimento que os mais fortes têm em relação aos mais fracos (ou aos que vieram depois).

Meu coração fica junto ao coração dela... (Compaixão-R.Alves)


A boca fala do que está cheio o coração”: esse é um ditado da sabedoria judaica, que se encontra nas Escrituras Sagradas. Bem que poderia ser a explicação sumária daquilo que a psicanálise tenta fazer: ouvir o que a boca fala para se chegar ao que o coração sente. Acontece comigo. Cada texto é uma revelação do coração de quem escreve.

Pois o meu coração ficou cheio com uma coisa que me disse minha neta Camila, de onze anos. O que ela falou fez meu coração doer. Como resultado fico pensando e falando sempre a mesma coisa.

A Camila estava na sala da televisão sozinha, chorando. Fui conversar com ela para saber o que estava acontecendo. E foi isso que ela me disse: “Vovô, quando eu vejo uma pessoa sofrendo eu sofro também. O meu coração fica junto ao coração dela...”

Percebi que o coração da Camila conhecia aquilo que se chama “compaixão”. Compaixão, no seu sentido etimológico, quer dizer “sofrer com”. Não estou sofrendo. Mas vejo uma pessoa sofrer. Aí eu sofro com ela. Ponho o outro dentro de mim. Esse é o sentido do amor: ter o outro dentro da gente. O apóstolo Paulo escreveu que posso dar tudo o que tenho aos pobres, mas se me faltar o amor, nada serei. Porque posso dar com as mãos sem que o coração esteja a sentir. A compaixão é uma maneira de sentir. E dela que brota a ética. Alguém foi se aconselhar com Santo Agostinho sobre o que fazer numa determinada situação. Ele respondeu curto e definitivo: “Ama e faze o que quiseres.” Pois não é óbvio? Se tenho compaixão nada de mal poderei fazer a quem quer que seja.

Fernando Pessoa escreveu um curto poema em que descreve a sua compaixão. Por favor, leia devagar: “Aquele arbusto fenece, e vai com ele parte da minha vida. Em tudo quanto olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo. Nem distingue a memória do que vi do que fui”. Compaixão por um arbusto... Ele explica esse mistério da alma humana dizendo que “em tudo quando olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa passo...” Os olhos, movidos pela compaixão, o faziam participante da sorte do pequeno arbusto...

Eu já sabia disso. Mas nunca havia enchido o meu coração ao ponto de doer. Doeu porque liguei a fala da Camila a essa tristeza que está acontecendo no Brasil.

Os corruptos são homens que passaram pelas escolas, são portadores de muitos saberes. Tendo tantos saberes, o que lhes falta? Falta-lhes compaixão.

A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós. Vejo os velhos e posso até mesmo escrever uma tese sobre eles, se eu for um professor universitário. Mas a tristeza do velho é só dele, não entra dentro de mim. Durmo bem. Nossas florestas vão aos poucos se transformando em desertos mas isso não me faz sofrer. Não as sinto como uma ferida na minha carne. Vejo as crianças mendigando nos semáforos mas não me sinto uma criança mendigando num semáforo. Vejo os meus alunos nas salas de aulas, mas meu dever de professor é dar o programa e não sentir o que os meus alunos estão sentindo.

De que vale o conhecimento sem compaixão? Todas as atrocidades que caracterizam os nossos tempos foram feitas com a cumplicidade do conhecimento científico. Parece que a inteligência dos maus é mais poderosa que a inteligência dos bons.

Sabemos como ensinar saberes. Há muita ciência escrita sobre isso. Mas não me lembro de nenhum texto pedagógico que se proponha a ensinar a compaixão. Talvez o livrinho de Janucz Korczak Como amar uma criança . Mas Korczak é uma exceção. Ele sabia que para se ensinar algo a uma criança é preciso amá-la primeiro. Korczak era um romântico... Por isso o amo...

Aí fiz a mim mesmo uma pergunta pedagógica: “Como ensinar a compaixão? Conversando sobre isso com minha filha Raquel, arquiteta, ela se lembrou de um incidente dos seus primeiros anos de escola, quando menina de sete anos. Seria o aniversário da faxineira, uma mulher que todos amavam. A classe se reuniu para escolher o seu presente. Ganhou por unanimidade que, no dia do seu aniversário, as crianças fariam o seu trabalho de faxina. Disse-me a Raquel que a faxineira chorou...

Sei que as crianças aprendem com o olhar, o olhar das professoras. Elas sabem quando as professoras as olham com os mesmos olhos com que Fernando Pessoa olhava o arbusto. Sei também que as estórias provocam compaixão, quando o leitor se identifica com um personagem. Sei de um menininho que se pôs a chorar ao final da estória O patinho que não aprendeu a voar. Ele teve compaixão do patinho. Identificou-se com ele. Vai carregar o patinho dentro de si embora o patinho não exista. Lemos estórias para as crianças e para nós mesmos não só para ensinar a língua mas para ensinar a compaixão.

Mas continuo perdido. Preciso que vocês me ajudem. Como se pode ensinar a compaixão?

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O amor é a resposta (Pe zezinho scj)

E assim foi que aprendi
Olhando ao meu redor
Que o mundo é muito triste sem amor
Que a vida não tem graça se eu não amo.
Nem tudo o que eu sonhar será como eu sonhei
Porém, se eu não tentar jamais eu saberei
O gosto de viver
O gosto de esperança!

E assim foi que aprendi
Na hora de sofrer
Que nada faz sentido sem perdão
Que se eu não perdoar eu me enveneno.
E, se eu viver querendo eterna compreensão
Jamais aprenderei do amor esta lição
O amor é bom demais
Porém às vezes dói!

E assim foi que aprendi
Olhando aquela cruz
Olhando aqueles olhos a sofrer
E aquele coração sangrando aberto:
Não haverá mais pão se o trigo não morrer
Não há libertação sem risco de perder
O amor que é prazer
Também tem seus tormentos!

E assim foi que aprendi olhando para o céu
Que o mundo quase nunca satisfaz
Sem Deus nenhum sistema traz a paz.
Eu sei que a religião também pode enganar
Não há libertação se eu não me questionar

A vida é uma questão
O amor é uma resposta...

Cuanto gané, cuanto perdí (Pablo milanés)

Dónde estarán los amigos de ayer
La novia fiel que siempre dije amar.
Dónde andarán mi casa y su lugar
Mi carro de jugar, mi calle de correr.
Dónde andarán la prima que me amó
El rincón que escondió, mis secretos de ayer.

Cuánto gané, cuánto perdí,
Cuánto de niño pedí,
Cuánto de grande logré
Qué es lo que me ha hecho feliz
Qué cosa me ha de doler.

Si era vivir la infancia
Con el ansia de todo saber
Pues el saberlo todo y con nostalgia
Ver lo que se fue.

Dónde estarán, a un lado de mi piel
Los guardo bien y a veces brotarán
Y endulzaran un brusco acontecer
Llenándome de miel que muchos libarán.
Me lanzarán al viento
Y a mi tiempo me retornarán
Vendré feliz y fresco
Para siempre sé donde estarán.

sábado, 4 de abril de 2009

Burn it blue

Música Profana


Existe uma canção que celebra o mundo; aborda todos os aspectos da vida e tem um jeito característico, ritmos característicos, que expressam um jeito de caminhar e ser no mundo. Pode celebrar o amor, a paixão, a festa, o trabalho, o ódio, a raiva, a dor, o desespero, a dor de cotovelo.

Pode celebrar um exército vitorioso, pode lembrar a derrota, pode celebrar amores perdidos, pode celebrar o erotismo e o sexo. Estamos falando da canção profana.

O ser humano canta tudo o que ele puder cantar e de tudo ele tira um proveito. Entre as maneiras de expressar-se está a canção. É errado pensar que a Igreja seja contra todas as canções profanas. Quem pensa assim e proclama isto nas suas igrejas, proclama errado. Existem canções profanas que nos levam a Deus, tanto quanto as canções religiosas. No Brasil há milhares de canções profanas que nos conduzem a Deus:

"Amigo é coisa prá se guardar debaixo de sete chaves...", "... Não há, ó gente, ó não, luar como este do sertão...", "... Quando olhei a terra ardendo, qual fogueira no sertão... Eu perguntei ao Deus do céu porque tamanha judiação...", "... A estrela D'Alva no céu desponta e a lua anda tão tonta de tamanho esplendor...". "À minha volta sinfonia de pardais... a majestade o sabiá".

Há inúmeras canções populares, inclusive as que se cantavam e cantam nas passarelas de carnaval, que acabam nos levando a Deus. Seria um erro qualquer cristão proclamar que as canções profanas são do demônio. Seguramente não são. Milhares de canções profanas já levaram pessoas ao perdão, à misericórdia, às lágrimas, ao choro e a Deus. Acabaram levando ao religioso e também foram e são instrumentos de conversão, de elevação da alma e de amadurecimento.

Diga-se, de passagem, muitas dessas canções profanas são muito bem feitas, poeticamente bem elaboradas e são verdadeiras peças de literatura e de bom gosto. É, portanto, um erro gravíssimo e chega a ser pecado de calúnia contra os seus autores, qualquer cristão proclamar a canção profana como canção do demônio ou canção que não leva a Deus.

Mais da metade das canções profanas que eu já ouvi me levam ao próximo e a Deus. Eu louvo a Deus por todas as canções profanas que já escutei, mas agradeço também por ter me dado bom senso de não cantar determinadas canções profanas; é uma questão de escolha. E defendo e valorizo a canção não católica. Ela também vem de Deus. Nós não temos o monopólio da ternura!

Conversão não é mudança de religião...

Reconhecer a própria culpa. não as falsas culpas, mas a real, a profunda culpa. Deixar que o Espírito Santo revele a raiz do pecado. E deste reconhecimento deve brotar uma nova postura diante de Deus, de si mesmo e dos irmãos. Chega de cobrar Deus. Chega de auto-piedade, chega de acusar o irmão. (Veja Mt 5,23s;lc 17,4).

Todavia a conversão é mais. Implica afastamento do pecado. Isto é posterior ao perdão. Pode-se dizer que é graça que provém do perdão divino. Graça a ser abraçada. Por isto a primeira obra do Espírito Santo no reconhecimento do pecado é nos fazer compreender a gratuidade e a imensidão do amor pessoal de Deus por nós. “Fomos criados por um gesto misericordioso”. Somos como que “embebidos” de misericórdia, constituídos como seres chamados à vida por um perdão que precedeu nosso erro e o nosso arrependimento. Se Deus não fosse misericordioso, não teríamos jamais existido; e se esta misericórdia existe desde o princípio do nosso viver, ela ainda agora é fonte de vida graça da qual temos continuamente necessidade, e que constantemente nos cerca. Cada dia que passa é um perdão sempre novo, pessoal, criativo. Mas também discreto e silencioso, tão discreto que a própria pessoa às vezes se arrisca a não reconhecê-lo.

Vivemos imersos na misericórdia divina, mas podemos não nos dar conta disso. Quando pelo menos um só de nós percebe isto, Deus faz uma festa no céu. Foi Jesus quem o revelou, comparando a alegria de Deus pelo pecador que retorna com a do Bom Pastor que encontra a ovelha perdida, e acrescentando que o próprio Pai sente muito mais alegria por um pecador que se descobre envolvido por essa misericórdia que por noventa e nove pretensos justos, que se iludem com sua justiça e crêem que só de vez em quando têm necessidade do perdão de Deus”. (Viver Reconciliados, Amedeu Cencini, Ed Paulinas,p.64). Deixar o pecado não é simplesmente mudar hábitos comportamentais, pois isto é conseqüência. Deixar o pecado é retornar para Deus, é retornar à casa paterna, reassumindo a própria filiação divina. Por isto é que o coração do penitente é um coração de criança: “Quem não receber o Reino dos Céus como uma criança não entrará nele” (Mc 10,15). As crianças e os que lhes assemelham , segundo a sociedade daquele tempo e lugar, acham-se numa situação de total dependência. Ela não é o símbolo da inocência, mas da disponibilidade e obediência sincera. Ao acolher o Reino de Deus com tais disposições, entra-se imediatamente nele. É com isto que chegamos ao centro da conversão anunciada por Jesus: Converter-se significa aprender de novo a dizer ABBA, encontrar o caminho de volta para a casa do Pai, que ali lhe espera de braços abertos. Em última instância, a conversão à qual Jesus nos chama, nada mais é do que abandonarmo-nos à ação da Graça de Deus.

O motivo da conversão é a gratuidade divina. Já João Batista interpelara à Penitência. Mas a conversão, pregada por Jesus vai além. Onde está a diferença? Dá-se uma resposta na conversão de Zaqueu (Veja Lc 19,1-10). A este homem era inconcebível que Jesus tenha pretendido hospedar-se na sua casa, e comer com ele, que era o mal-falado, o desprezado, o evitado. Jesus lhe restitui a honra perdida ficando com ele em sua casa e partindo com ele o pão. Fazendo-o participar da comunhão com Ele mesmo, abre-lhe as portas do reino da gratuidade, da doação de si. Implicitamente convida-o a ser dom, e Zaqueu acolhe o convite. Zaqueu entra no reino da doação de si mesmo. A bondade de Jesus vence Zaqueu. O que não conseguiram todas as censuras, e todo o desprezo de seus concidadãos, conseguiu-o a bondade de Jesus, diante da qual Zaqueu publicamente reconhece a sua culpa e se penitencia. O mesmo se dá com a Samaritana, a quem Jesus pediu água. depois de tudo ela corre a anunciar, o “homem que sabia tudo da sua vida”. Por outro lado, isto não aconteceu com Corazim e Batsaida. Nestas cidades se deram ações visíveis da misericórdia de Deus, mas seus habitantes continuaram a viver para si mesmos. É a liberdade do chamado divino a entrar no Reino: “se hoje ouvires a minha voz entrarei e cearei contigo”. Penitência não é ato de humildade humana, mas penitência é ser vencido pela graça de Deus.

A Graça de Deus sempre desinstala o homem, e o insere aonde ele deveria estar se não fosse o pecado: Em Cristo. Tomemos Isaías 53, o quarto canto do servo de Iahweh, no qual a tradição cristã sempre viu o mesmo destino histórico de Jesus. O servo não cometeu nenhum pecado, mas “levou nossos pecados em seu próprio corpo, e por suas feridas fomos curados” (Veja também Fl 2,6-11). Ele doou sua vida por amor a nós, e assim nos salvou. Veja agora is 53,5-11. “Ser salvo não quer dizer simplesmente que Cristo , ao morrer na Cruz, nos reabriu as portas do reino, mas que nos deu um novo ser: o Seu. E não em termos genéricos, mas particularmente nos comunicou aquele seu ser que salva carregando nos ombros o peso do outro. Portanto, salvando-nos, nos participou e compartilha conosco sua vontade de salvar e aquela mesma disponibilidade a nos tornar, nele, instrumentos de salvação do outro” (Viver reconciliados,p.136-7).

Não é indiferente que Cristo nos tenha remido morrendo na cruz, assumindo as nossas dores. Se nos salvou, também nos transmitiu um modo correspondente de viver a Salvação e de ser salvo, não só como modalidade comportamental ou exemplo a imitar, mas como uma disponibilidade nova a doar as nossas vidas. Por isto, aquele que acolhe a Salvação recebe a predisposição para agir em conformidade com aquele ato que o salvou. Morre o homem velho e nasce a criatura nova, disponível à doação de si. Isto é acolher a salvação, isto é verdadeira conversão, é realização de si mesmo. “O homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo” (GS,n.24)

Aquele que se fez pecado por nós e por cujas chagas todos nós fomos curados nos revela que o pecado é vencido pela graça de doar a si mesmo, em Cristo. O homem muitas vezes fracassa em seu processo de conversão porque pretende derrotar o seu pecado para sua salvação e para construir sua santidade isoladamente. Assim, em vez de derrotar o mal que há em si, o do egoísmo, realiza uma falsa conversão, legalista, farisaica, e acaba ficando só com seu pecado e com seus sonhos de santidade, a lutar contra o vazio. A Salvação nunca é subjetiva, particular. Ela implica sempre a atuação do mandamento do amor. Veja o que aconteceu com Zaqueu, veja o que aconteceu com Leví, veja o que aconteceu com a pecadora, e veja o que aconteceu com o jovem Rico, que foi embora sozinho, com sua pretensa santidade. Com efeito, o verdadeiro mal do qual o homem tem necessidade de ser libertado é o egoísmo: quando o vence é que entra realmente no Reino de Deus, e experimenta a alegria de ser salvo.

Neste contexto é que vemos a Samaritana dar-se conta de seu egoísmo, da sua falta de amor pêlos tantos “maridos” que teve. Jesus estava lhe oferecendo a água da vida, que desinstala, que tira o homem de si mesmo e o lança para amar. Aí ele detesta o pecado, e pretende deixá-lo para não mais ferir a Deus e ao próximo. Quando encontra gratuidade do amor de Deus que dá-se sem medidas, e acolhe este amor é impelido a dar-se sem medidas. Enquanto isto não acontece, o homem permanece numa falsa conversão, simplesmente legalista, a “limpar a casa e deixá-la vazia” até que venham outros tantos demônios provindos do desamor, a se instalar nela (Veja Mt 12,43-45 e Lc 11,24-26).

Embora dê orientações, a grande novidade no apelo de Jesus à conversão não é o ato, mas a sua motivação. O judaísmo antigo está dominado pela idéia do Mérito. A mola propulsora do agir é a esperança de recompensa. Jesus também fala de recompensa, mas na Lei Nova ela é preexistente. neste caso, é outro o motivo para agir: a gratidão pelo dom de Deus. Aquele que acha o tesouro é vencido pela grande alegria. Fica sendo a coisa mais óbvia do mundo que ele entregue tudo para apropriar-se deste tesouro (Mt 13,45s). Assim como a experiência da bondade sem fronteiras de Deus e sua paciência é fonte de que jorra o amor pêlos inimigos, , o perdão de Deus constrange a amar. Em Lc 7,36-50 temos um exemplo disto. Deus perdoa a pecadora não porque ela amou muito, mas ela amou muito porque Deus a perdoou gratuitamente. Deus a amou gratuitamente, e por isso a perdoou, e ela então amou Deus muito mais do que aquele que não teve a experiência da gratuidade do amor divino. Por isto, aquele que vive de comércio com Deus não pode conhecer o Seu incondicional e gratuito amor, e então não pode verdadeiramente amar, porque não viveu esta experiência. No reino de Deus só há um motivo para agir: a gratidão pelo perdão. Zaqueu também é vencido pela bondade de Jesus, e por isto responde, de todo coração com a restituição dos que defraudou e a doação ao pobres.

Jesus tem sede da nossa conversão. E ele disse isto à Samaritana. Jesus necessidade de hospedar-se na nossa casa. E ele disse isto a Zaqueu. Jesus tem sede de restituir-nos a imagem de Filhos do Pai que é todo doação de si. Jesus não tem sede das nossa ações vistosas. Jesus tem sede do nosso dar-se, sem limites porque se arriscamos ele nos dá a graça de fazê-lo. João Batista pregava o batismo do reconhecimento do pecado. Jesus também o fez, mas foi infinitamente mais além, porque suas palavras são de vida eterna. Ele trouxe para o tempo a linguagem da eternidade. Amar, dar-se inteiramente, sem limites. Ele deixou-se batizar e pagou os impostos para que se cumprisse a justiça da lei, mas ele foi infinitamente além da lei. E quer nos levar infinitamente para além da Lei. Ele tornou tranformou os pecadores públicos da Bíblia em doadores de si mesmo até as últimas consequências. Ele os inseriu em si mesmo e eles realizaram prodígios que ficaram não apenas no tempo mas varam a eternidade.

O estabelecimento do Reino de Deus, que Jesus veio inaugurar, se tornará visível em todo lugar onde os homens se sujeitem, por livre decisão, a obedecer a lei. Aí ele irá além da lei. Porque seu intuito não será a recompensa, mas será doar-se a si mesmo, e Deus mesmo é a sua recompensa. Quem entra atende ao chamado de Jesus e entra no Reino de Deus está sob uma nova justiça, que é parte integrante da vida nova que Jesus nos trouxe. Esta nova justiça não consiste na abolição da lei, mas em levá-la à perfeição. Para isto Jesus veio. Para fazer o homem compreender Deus e a Sua vontade, e entrar nela. O direito divino do Antigo Testamento fixou-se na Torá escrita e na Torá oral A Torá oral ou Halaká consistia na interpretação dos escribas, de onde provinham todas aquelas minúcias que conhecemos. A Jesus não interessa destruir a lei, mas interpretá-la em sua medida escatológica plena. É preciso compreender a lei com visão de eternidade, em vista do amor, que é o que há de eterno. Jesus rejeita a Halaká (Mc 2,27/Mc 3,4/ Mc 7,1-8/Mc 7,15/Mc 7,21) porque esta legislação muito contradiz o Mandamento do Amor (Mc 7,6-8). Somente num lugar Jesus parece tomar uma atitude positiva para com a Halaká, mas ainda assim não lhe dá uma aprovação global: “Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Fazei, pois, tudo o que vos disserem, mas não vos reguleis por seus atos, pois eles dizem e não fazem”.

Constituiu uma ousadia de Hilel (cerca de 20 a.C. o fato de ele ter feito notar a um gentio que a regra de ouro era a súmula da Lei escrita: “Tudo o que te parece nocivo a ti, não o faças a outrem. Isto é toda a Torá”. A versão negativa de Hilel se contentava em não causar ao próximo nenhum prejuízo. Jesus se liga a Hilel, mas vai além. Sua versão é positiva e conclama a dar-se provas de amor por atos positivos: “amai ao próximo como a si mesmo” (Veja também Lc 6,27-38). A lei vital do Reino de Deus é o Mandamento do amor, expresso não só por sentimentos e palavras, mas por atos, na capacidade para o dom (Mt 5,42) e na disposição para o serviço (Mc 10,42-45). Mateus 25,31-46 enumera as seis mais importantes obras de amor: Dar de comer a quem tem fome, acolher o estrangeiro, vestir os nus, visitar os doentes, Ir aos prisioneiros.

Uma outra marca deste amor é seu caráter ilimitado. A parábola do bom samaritano descreve o caráter sem fronteiras do amor com especial destaque (Lc 10,30-37). A ajuda desinteressada que o mestiço demonstra para com o desamparado mostra isto, porque a moral da época excetuava a obrigação de amar o inimigo pessoal, ao passo que Jesus dá como motivo do amor aos inimigos: “a fim de serdes verdadeiramente filhos do vosso Pai, que faz nascer o sol sobre os justos e injustos” (Veja Lv 18,18 e Mt 5,43-48).

O mandamento do amor não dispensa a lei. O que Ele faz é corrigir sua imperfeição, porque sem o amor toda lei acaba servindo aos nossos interesses egoístas. Portanto não se trata de um desprezo da lei, mas do seu aperfeiçoamento. Nas seis antíteses o sermão da montanha (Mt 5,21-48) Jesus contrapõe o novo direito divino ao antigo. Seis setores da vida recebem nova orientação (Veja vv. 21-26/vv.27-30/vv.31s/vv.33-37/vv.38-42/vv.42-48).

O Reino de Deus irrompe para dentro de um mundo que ainda está sob o signo do pecado, da morte, de Satã. Por isto, a conversão ao reino é trabalho para uma vida toda. Jesus esclarece, no Sermão da Montanha, como se apresenta a vida nova, que deve ser aplicada a todos os aspectos da vida do discípulo, porque eles mesmos construirão o Reino de Deus com a transformação das suas vidas. Toda a sua vida deve testemunhar ao mundo que o Reino de Deus chegou até a humanidade é convidado a, livremente, escolher entrar nele. Em sua vida, enraizada e fundada nos valores do Reino, deve ficar visível a verdadeira felicidade. No reino de Deus, dá-se uma total inversão de valores: os pobres ficam ricos, os famintos saciados, os tristes consolados, porque Deus doa vida eterna, onde “eterna” significa “participação na vida de Deus”. Por isso, dizemos que As Bem-Aventuranças são a Lei fundamental do Reino de Deus ao qual Jesus nos convida a entrar. Vivendo-as, encontramos e oferecemos ao mundo razões para esperar. Elas não somente assinalam o caminho a percorrer, mas ajudam a chegar na meta. Elas nos situam diante do dom de Deus, nos movem e nos ajudam a fazer deste dom o fundamento e o centro de nossa vida humana.

“Seu ensinamento se dirige a homens que já foram libertados do poder de Satanás mediante a Boa-Nova; a homens que já vivem no Reino de Deus e irradiam seu fulgor. Dirige-se a homens que receberam o perdão, que encontraram a pérola preciosa, que são convidados às núpcias, a homens que pela fé em Jesus pertencem à nova criação, ao mundo novo de Deus. Dirige-se a homens que já experimentaram em suas vidas aquela grande alegria de que fala a parábola do tesouro no campo: o homem que encontrou vai, cheio de alegria, e sacrifica tudo o que possui. Dirige-se aos filhos pródigos que o Pai recebe novamente na casa paterna. Desde já - lhes diz Jesus - podeis viver na era da salvação. Mas o tempo da Salvação é também o tempo em que a vontade de Deus entra em vigor com toda a sua força. Pois presença do reino significa estabelecimento do direito querido por Deus para o mundo que vem. este direito divino é ao mesmo tempo vontade santa e perdão soberano. Ao nos perdoar, Deus nos convida a doar a nossa vida.

Mas quem consegue praticar tudo isso? Nós, homens tão miseráveis, sempre inconstantes, oscilando de um para o outro lado? Antes de cada palavra do Sermão da Montanha houve alguma coisa. O que precedeu foi a pregação do reino de Deus. O que precedeu foi o dom feito aos discípulos, do privilégio de ser filhos (Mt 5,14-16). O que precedeu foi o testemunho, em palavras e em obras, que Jesus deu sobre a sua pessoa: o exemplo de Jesus transparece em cada frase do Sermão da Montanha. Cristo Jesus é o verdadeiro protagonista das oito Bem-Aventuranças, não é apenas aquele que as ensinou ou anunciou, mas é sobretudo aquele que as realizou do modo mais perfeito durante e com toda a sua vida. As Bem-Aventuranças são a sua mensagem. ou melhor, ele é toda sua mensagem. Por isso, não há necessidade de estudá-lo muito, mas sim de contemplá-lo. Só ha um caminho para viver as Bem-Aventuranças: Abrir-se ao Espírito Santo e segui-lo.

Desde a pobreza do presépio até a sua morte na cruz, as oito Bem-Aventuranças são os oito capítulos de sua vida, sua autobiografia espiritual. Ao proclamá-las não faz senão descrever-se a si mesmo, Elas são o retrato mais perfeito de Jesus : pobre, manso, triste, faminto, misericordioso, puro de coração, construtor de paz e perseguido por causa da justiça. Isto é o que o Papa disse aos jovens de Lima em 2 de fevereiro de 1985: “As Bem-Aventuranças são como o retrato de Jesus Cristo, um resumo de sua vida, e por isso se apresentam também como um programa de vida para seus discípulos. São um programa de fé viva. Toda a vida terrena do cristão, fiel a Cristo, pode encerrar-se neste programa, na perspectiva do Reino de Deus”

Conversão não é mudança de religião...

Reconhecer a própria culpa. não as falsas culpas, mas a real, a profunda culpa. Deixar que o Espírito Santo revele a raiz do pecado. E deste reconhecimento deve brotar uma nova postura diante de Deus, de si mesmo e dos irmãos. Chega de cobrar Deus. Chega de auto-piedade, chega de acusar o irmão. (Veja Mt 5,23s;lc 17,4).

Todavia a conversão é mais. Implica afastamento do pecado. Isto é posterior ao perdão. Pode-se dizer que é graça que provém do perdão divino. Graça a ser abraçada. Por isto a primeira obra do Espírito Santo no reconhecimento do pecado é nos fazer compreender a gratuidade e a imensidão do amor pessoal de Deus por nós. “Fomos criados por um gesto misericordioso”. Somos como que “embebidos” de misericórdia, constituídos como seres chamados à vida por um perdão que precedeu nosso erro e o nosso arrependimento. Se Deus não fosse misericordioso, não teríamos jamais existido; e se esta misericórdia existe desde o princípio do nosso viver, ela ainda agora é fonte de vida graça da qual temos continuamente necessidade, e que constantemente nos cerca. Cada dia que passa é um perdão sempre novo, pessoal, criativo. Mas também discreto e silencioso, tão discreto que a própria pessoa às vezes se arrisca a não reconhecê-lo.

Vivemos imersos na misericórdia divina, mas podemos não nos dar conta disso. Quando pelo menos um só de nós percebe isto, Deus faz uma festa no céu. Foi Jesus quem o revelou, comparando a alegria de Deus pelo pecador que retorna com a do Bom Pastor que encontra a ovelha perdida, e acrescentando que o próprio Pai sente muito mais alegria por um pecador que se descobre envolvido por essa misericórdia que por noventa e nove pretensos justos, que se iludem com sua justiça e crêem que só de vez em quando têm necessidade do perdão de Deus”. (Viver Reconciliados, Amedeu Cencini, Ed Paulinas,p.64). Deixar o pecado não é simplesmente mudar hábitos comportamentais, pois isto é conseqüência. Deixar o pecado é retornar para Deus, é retornar à casa paterna, reassumindo a própria filiação divina. Por isto é que o coração do penitente é um coração de criança: “Quem não receber o Reino dos Céus como uma criança não entrará nele” (Mc 10,15). As crianças e os que lhes assemelham , segundo a sociedade daquele tempo e lugar, acham-se numa situação de total dependência. Ela não é o símbolo da inocência, mas da disponibilidade e obediência sincera. Ao acolher o Reino de Deus com tais disposições, entra-se imediatamente nele. É com isto que chegamos ao centro da conversão anunciada por Jesus: Converter-se significa aprender de novo a dizer ABBA, encontrar o caminho de volta para a casa do Pai, que ali lhe espera de braços abertos. Em última instância, a conversão à qual Jesus nos chama, nada mais é do que abandonarmo-nos à ação da Graça de Deus.

O motivo da conversão é a gratuidade divina. Já João Batista interpelara à Penitência. Mas a conversão, pregada por Jesus vai além. Onde está a diferença? Dá-se uma resposta na conversão de Zaqueu (Veja Lc 19,1-10). A este homem era inconcebível que Jesus tenha pretendido hospedar-se na sua casa, e comer com ele, que era o mal-falado, o desprezado, o evitado. Jesus lhe restitui a honra perdida ficando com ele em sua casa e partindo com ele o pão. Fazendo-o participar da comunhão com Ele mesmo, abre-lhe as portas do reino da gratuidade, da doação de si. Implicitamente convida-o a ser dom, e Zaqueu acolhe o convite. Zaqueu entra no reino da doação de si mesmo. A bondade de Jesus vence Zaqueu. O que não conseguiram todas as censuras, e todo o desprezo de seus concidadãos, conseguiu-o a bondade de Jesus, diante da qual Zaqueu publicamente reconhece a sua culpa e se penitencia. O mesmo se dá com a Samaritana, a quem Jesus pediu água. depois de tudo ela corre a anunciar, o “homem que sabia tudo da sua vida”. Por outro lado, isto não aconteceu com Corazim e Batsaida. Nestas cidades se deram ações visíveis da misericórdia de Deus, mas seus habitantes continuaram a viver para si mesmos. É a liberdade do chamado divino a entrar no Reino: “se hoje ouvires a minha voz entrarei e cearei contigo”. Penitência não é ato de humildade humana, mas penitência é ser vencido pela graça de Deus.

A Graça de Deus sempre desinstala o homem, e o insere aonde ele deveria estar se não fosse o pecado: Em Cristo. Tomemos Isaías 53, o quarto canto do servo de Iahweh, no qual a tradição cristã sempre viu o mesmo destino histórico de Jesus. O servo não cometeu nenhum pecado, mas “levou nossos pecados em seu próprio corpo, e por suas feridas fomos curados” (Veja também Fl 2,6-11). Ele doou sua vida por amor a nós, e assim nos salvou. Veja agora is 53,5-11. “Ser salvo não quer dizer simplesmente que Cristo , ao morrer na Cruz, nos reabriu as portas do reino, mas que nos deu um novo ser: o Seu. E não em termos genéricos, mas particularmente nos comunicou aquele seu ser que salva carregando nos ombros o peso do outro. Portanto, salvando-nos, nos participou e compartilha conosco sua vontade de salvar e aquela mesma disponibilidade a nos tornar, nele, instrumentos de salvação do outro” (Viver reconciliados,p.136-7).

Não é indiferente que Cristo nos tenha remido morrendo na cruz, assumindo as nossas dores. Se nos salvou, também nos transmitiu um modo correspondente de viver a Salvação e de ser salvo, não só como modalidade comportamental ou exemplo a imitar, mas como uma disponibilidade nova a doar as nossas vidas. Por isto, aquele que acolhe a Salvação recebe a predisposição para agir em conformidade com aquele ato que o salvou. Morre o homem velho e nasce a criatura nova, disponível à doação de si. Isto é acolher a salvação, isto é verdadeira conversão, é realização de si mesmo. “O homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo” (GS,n.24)

Aquele que se fez pecado por nós e por cujas chagas todos nós fomos curados nos revela que o pecado é vencido pela graça de doar a si mesmo, em Cristo. O homem muitas vezes fracassa em seu processo de conversão porque pretende derrotar o seu pecado para sua salvação e para construir sua santidade isoladamente. Assim, em vez de derrotar o mal que há em si, o do egoísmo, realiza uma falsa conversão, legalista, farisaica, e acaba ficando só com seu pecado e com seus sonhos de santidade, a lutar contra o vazio. A Salvação nunca é subjetiva, particular. Ela implica sempre a atuação do mandamento do amor. Veja o que aconteceu com Zaqueu, veja o que aconteceu com Leví, veja o que aconteceu com a pecadora, e veja o que aconteceu com o jovem Rico, que foi embora sozinho, com sua pretensa santidade. Com efeito, o verdadeiro mal do qual o homem tem necessidade de ser libertado é o egoísmo: quando o vence é que entra realmente no Reino de Deus, e experimenta a alegria de ser salvo.

Neste contexto é que vemos a Samaritana dar-se conta de seu egoísmo, da sua falta de amor pêlos tantos “maridos” que teve. Jesus estava lhe oferecendo a água da vida, que desinstala, que tira o homem de si mesmo e o lança para amar. Aí ele detesta o pecado, e pretende deixá-lo para não mais ferir a Deus e ao próximo. Quando encontra gratuidade do amor de Deus que dá-se sem medidas, e acolhe este amor é impelido a dar-se sem medidas. Enquanto isto não acontece, o homem permanece numa falsa conversão, simplesmente legalista, a “limpar a casa e deixá-la vazia” até que venham outros tantos demônios provindos do desamor, a se instalar nela (Veja Mt 12,43-45 e Lc 11,24-26).

Embora dê orientações, a grande novidade no apelo de Jesus à conversão não é o ato, mas a sua motivação. O judaísmo antigo está dominado pela idéia do Mérito. A mola propulsora do agir é a esperança de recompensa. Jesus também fala de recompensa, mas na Lei Nova ela é preexistente. neste caso, é outro o motivo para agir: a gratidão pelo dom de Deus. Aquele que acha o tesouro é vencido pela grande alegria. Fica sendo a coisa mais óbvia do mundo que ele entregue tudo para apropriar-se deste tesouro (Mt 13,45s). Assim como a experiência da bondade sem fronteiras de Deus e sua paciência é fonte de que jorra o amor pêlos inimigos, , o perdão de Deus constrange a amar. Em Lc 7,36-50 temos um exemplo disto. Deus perdoa a pecadora não porque ela amou muito, mas ela amou muito porque Deus a perdoou gratuitamente. Deus a amou gratuitamente, e por isso a perdoou, e ela então amou Deus muito mais do que aquele que não teve a experiência da gratuidade do amor divino. Por isto, aquele que vive de comércio com Deus não pode conhecer o Seu incondicional e gratuito amor, e então não pode verdadeiramente amar, porque não viveu esta experiência. No reino de Deus só há um motivo para agir: a gratidão pelo perdão. Zaqueu também é vencido pela bondade de Jesus, e por isto responde, de todo coração com a restituição dos que defraudou e a doação ao pobres.

Jesus tem sede da nossa conversão. E ele disse isto à Samaritana. Jesus necessidade de hospedar-se na nossa casa. E ele disse isto a Zaqueu. Jesus tem sede de restituir-nos a imagem de Filhos do Pai que é todo doação de si. Jesus não tem sede das nossa ações vistosas. Jesus tem sede do nosso dar-se, sem limites porque se arriscamos ele nos dá a graça de fazê-lo. João Batista pregava o batismo do reconhecimento do pecado. Jesus também o fez, mas foi infinitamente mais além, porque suas palavras são de vida eterna. Ele trouxe para o tempo a linguagem da eternidade. Amar, dar-se inteiramente, sem limites. Ele deixou-se batizar e pagou os impostos para que se cumprisse a justiça da lei, mas ele foi infinitamente além da lei. E quer nos levar infinitamente para além da Lei. Ele tornou tranformou os pecadores públicos da Bíblia em doadores de si mesmo até as últimas consequências. Ele os inseriu em si mesmo e eles realizaram prodígios que ficaram não apenas no tempo mas varam a eternidade.

O estabelecimento do Reino de Deus, que Jesus veio inaugurar, se tornará visível em todo lugar onde os homens se sujeitem, por livre decisão, a obedecer a lei. Aí ele irá além da lei. Porque seu intuito não será a recompensa, mas será doar-se a si mesmo, e Deus mesmo é a sua recompensa. Quem entra atende ao chamado de Jesus e entra no Reino de Deus está sob uma nova justiça, que é parte integrante da vida nova que Jesus nos trouxe. Esta nova justiça não consiste na abolição da lei, mas em levá-la à perfeição. Para isto Jesus veio. Para fazer o homem compreender Deus e a Sua vontade, e entrar nela. O direito divino do Antigo Testamento fixou-se na Torá escrita e na Torá oral A Torá oral ou Halaká consistia na interpretação dos escribas, de onde provinham todas aquelas minúcias que conhecemos. A Jesus não interessa destruir a lei, mas interpretá-la em sua medida escatológica plena. É preciso compreender a lei com visão de eternidade, em vista do amor, que é o que há de eterno. Jesus rejeita a Halaká (Mc 2,27/Mc 3,4/ Mc 7,1-8/Mc 7,15/Mc 7,21) porque esta legislação muito contradiz o Mandamento do Amor (Mc 7,6-8). Somente num lugar Jesus parece tomar uma atitude positiva para com a Halaká, mas ainda assim não lhe dá uma aprovação global: “Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Fazei, pois, tudo o que vos disserem, mas não vos reguleis por seus atos, pois eles dizem e não fazem”.

Constituiu uma ousadia de Hilel (cerca de 20 a.C. o fato de ele ter feito notar a um gentio que a regra de ouro era a súmula da Lei escrita: “Tudo o que te parece nocivo a ti, não o faças a outrem. Isto é toda a Torá”. A versão negativa de Hilel se contentava em não causar ao próximo nenhum prejuízo. Jesus se liga a Hilel, mas vai além. Sua versão é positiva e conclama a dar-se provas de amor por atos positivos: “amai ao próximo como a si mesmo” (Veja também Lc 6,27-38). A lei vital do Reino de Deus é o Mandamento do amor, expresso não só por sentimentos e palavras, mas por atos, na capacidade para o dom (Mt 5,42) e na disposição para o serviço (Mc 10,42-45). Mateus 25,31-46 enumera as seis mais importantes obras de amor: Dar de comer a quem tem fome, acolher o estrangeiro, vestir os nus, visitar os doentes, Ir aos prisioneiros.

Uma outra marca deste amor é seu caráter ilimitado. A parábola do bom samaritano descreve o caráter sem fronteiras do amor com especial destaque (Lc 10,30-37). A ajuda desinteressada que o mestiço demonstra para com o desamparado mostra isto, porque a moral da época excetuava a obrigação de amar o inimigo pessoal, ao passo que Jesus dá como motivo do amor aos inimigos: “a fim de serdes verdadeiramente filhos do vosso Pai, que faz nascer o sol sobre os justos e injustos” (Veja Lv 18,18 e Mt 5,43-48).

O mandamento do amor não dispensa a lei. O que Ele faz é corrigir sua imperfeição, porque sem o amor toda lei acaba servindo aos nossos interesses egoístas. Portanto não se trata de um desprezo da lei, mas do seu aperfeiçoamento. Nas seis antíteses o sermão da montanha (Mt 5,21-48) Jesus contrapõe o novo direito divino ao antigo. Seis setores da vida recebem nova orientação (Veja vv. 21-26/vv.27-30/vv.31s/vv.33-37/vv.38-42/vv.42-48).

O Reino de Deus irrompe para dentro de um mundo que ainda está sob o signo do pecado, da morte, de Satã. Por isto, a conversão ao reino é trabalho para uma vida toda. Jesus esclarece, no Sermão da Montanha, como se apresenta a vida nova, que deve ser aplicada a todos os aspectos da vida do discípulo, porque eles mesmos construirão o Reino de Deus com a transformação das suas vidas. Toda a sua vida deve testemunhar ao mundo que o Reino de Deus chegou até a humanidade é convidado a, livremente, escolher entrar nele. Em sua vida, enraizada e fundada nos valores do Reino, deve ficar visível a verdadeira felicidade. No reino de Deus, dá-se uma total inversão de valores: os pobres ficam ricos, os famintos saciados, os tristes consolados, porque Deus doa vida eterna, onde “eterna” significa “participação na vida de Deus”. Por isso, dizemos que As Bem-Aventuranças são a Lei fundamental do Reino de Deus ao qual Jesus nos convida a entrar. Vivendo-as, encontramos e oferecemos ao mundo razões para esperar. Elas não somente assinalam o caminho a percorrer, mas ajudam a chegar na meta. Elas nos situam diante do dom de Deus, nos movem e nos ajudam a fazer deste dom o fundamento e o centro de nossa vida humana.

“Seu ensinamento se dirige a homens que já foram libertados do poder de Satanás mediante a Boa-Nova; a homens que já vivem no Reino de Deus e irradiam seu fulgor. Dirige-se a homens que receberam o perdão, que encontraram a pérola preciosa, que são convidados às núpcias, a homens que pela fé em Jesus pertencem à nova criação, ao mundo novo de Deus. Dirige-se a homens que já experimentaram em suas vidas aquela grande alegria de que fala a parábola do tesouro no campo: o homem que encontrou vai, cheio de alegria, e sacrifica tudo o que possui. Dirige-se aos filhos pródigos que o Pai recebe novamente na casa paterna. Desde já - lhes diz Jesus - podeis viver na era da salvação. Mas o tempo da Salvação é também o tempo em que a vontade de Deus entra em vigor com toda a sua força. Pois presença do reino significa estabelecimento do direito querido por Deus para o mundo que vem. este direito divino é ao mesmo tempo vontade santa e perdão soberano. Ao nos perdoar, Deus nos convida a doar a nossa vida.

Mas quem consegue praticar tudo isso? Nós, homens tão miseráveis, sempre inconstantes, oscilando de um para o outro lado? Antes de cada palavra do Sermão da Montanha houve alguma coisa. O que precedeu foi a pregação do reino de Deus. O que precedeu foi o dom feito aos discípulos, do privilégio de ser filhos (Mt 5,14-16). O que precedeu foi o testemunho, em palavras e em obras, que Jesus deu sobre a sua pessoa: o exemplo de Jesus transparece em cada frase do Sermão da Montanha. Cristo Jesus é o verdadeiro protagonista das oito Bem-Aventuranças, não é apenas aquele que as ensinou ou anunciou, mas é sobretudo aquele que as realizou do modo mais perfeito durante e com toda a sua vida. As Bem-Aventuranças são a sua mensagem. ou melhor, ele é toda sua mensagem. Por isso, não há necessidade de estudá-lo muito, mas sim de contemplá-lo. Só ha um caminho para viver as Bem-Aventuranças: Abrir-se ao Espírito Santo e segui-lo.

Desde a pobreza do presépio até a sua morte na cruz, as oito Bem-Aventuranças são os oito capítulos de sua vida, sua autobiografia espiritual. Ao proclamá-las não faz senão descrever-se a si mesmo, Elas são o retrato mais perfeito de Jesus : pobre, manso, triste, faminto, misericordioso, puro de coração, construtor de paz e perseguido por causa da justiça. Isto é o que o Papa disse aos jovens de Lima em 2 de fevereiro de 1985: “As Bem-Aventuranças são como o retrato de Jesus Cristo, um resumo de sua vida, e por isso se apresentam também como um programa de vida para seus discípulos. São um programa de fé viva. Toda a vida terrena do cristão, fiel a Cristo, pode encerrar-se neste programa, na perspectiva do Reino de Deus”