sexta-feira, 25 de julho de 2008

De Flipper e da FLIP* (Por Merval)

De Flipper e da FLIP*
Uma das grandezas da antiga filosofia grega estava segundo Karl Popper, em que os discípulos eram estimulados a suplantar o mestre, pensando mais e oferecendo ao mundo uma nova forma de filosofar.
Os críticos de Augusto dos Anjos, entre eles Ferreira Gullar, vêem em sua obra uma tentativa de suplantar o simbolismo/parnasianismo do início do século, caracterizando-o como um autor pré-moderno.
Quem teve o prazer de conhecer e conviver com Kkampus, o poeta e escritor e o companheiro, compreenderão como de certa forma a sua admiração por Augusto dos Anjos se apresenta neste conto, em especial uma certa correlação com as duas primeiras estrofes do poema “Monólogo da Sombra”.
O conto as Fontes de São Luis nos levam a uma viagem abissal, ao encontro parnasiano mitológico, com seus simbolismos em suas divinizadas estátuas e basileus. Estamos falando de uma viagem através do insondável ser, ou através do inominável mundo onírico borgeano?
Um conto simples, onde a perda de consciência leva o personagem principal a viajar por outros mundos, é um conto continuadamente repetido na literatura universal. O que faz deste conto de Kkampus singular é seu envolvimento com a misteriosa atmosfera ludovicense. Alguns podem questionar porque um conto regional haveria de ser interessante. Lembro-lhes que os contos de Tchecov, que reconhecidamente possuem um caráter Universal, se passam em pequenas aldeias russas. O mergulho no Eu, para o além de mim mesmo, segundo a psicanálise é um encontro com forças profundas, desconhecidas, hora ameaçadoras, hora esperançosas, para Sigmund Freud o caminho de ouro era a interpretação dos sonhos. Para nós leitores são esses contos, novelas e romances que nos fazem deparar com nosso Inconsciente, que nos fazem na silenciosa leitura monologar com a Sombra, que pode ser a Sombra elaborada pelo psicanalista Carl Jung ou a pútrida Sombra de Dos Anjos. É este tipo de literatura que nos conduz a mundos onde encontramos objetos perdidos, sejam a segurança familiar primeva do reino infantil pela voz da mãe que acalenta, seja a projeção de sentimentos não enunciados em objetos como um barquinho tragado pelo imenso mar de memórias e sentimentos. São Luis por se situar numa ilha pode ser assim um lugar cercado, sitiado por forças as mais diversas, pode ser uma província, um lugar esquecido do mundo onde o que conta são os contos dos vizinhos, ou pode ser um umbigo, um lugar ligado ao ventre do mundo por correntes telúricas, que a literatura como a do Kkampus desnuda.
O único pecado neste conto, na minha opinião, foi a tentativa do autor ao querer fazer uma homenagem à Feira Internacional de Literatura do Parati, utilizar de jogos de palavras, como o “para ti” tão costumeiramente usado no vernáculo maranhense que soa estranho aos ouvidos sulistas, isto me pareceu inadequado ao ser apresentado num concurso literário, que corre o risco de ser mal interpretado por alguns críticos (da banca examinadora) como uma adulação, fato que no meu julgamento é irrelevante. Talvez o autor pudesse explorar mais aproximações entre as duas cidades, São Luis e Parati, pelo fato de ambas serem litorâneas, pela prática da arte de fabricação naval, pelas ruas estreitas com seus sobrados com belas sacadas portuguesas. Estas são apenas considerações de rodapé para não somente elogiar o texto. Espero que o autor não tenha ficado triste pela sua não nomeação ao concurso. Talvez como o personagem Flipper, o golfinho, o autor esteja nas gélidas águas do litoral do sudeste brasileiro, rindo dos que hora não souberam reconhecer seu devido valor.
O crítico literário pode ter uma forma adequada, segundo sua escola, de avaliar uma obra segundo esses critérios, no entanto falta à maioria dos críticos a chama, a fleuma, o vigor, que existe naqueles que são o motivo de sua existência: a arte de escrever. Alguns escritores nascem assim, esperando apenas o momento do domínio das primeiras palavras pela alfabetização para que logo se perceba a semente dos frutos que virão, são os gênios. Outros se revelam por seu esmero, pelo seu empenho, pelos seus noventa por cento de suor, de transpiração, pela sua dedicação no aperfeiçoamento de sua arte. Há os que escrevem por dinheiro, há os que escrevem buscando a fama (como um Paulo Coelho), outros há que escrevem por prazer. O Kkampus que conheço está neste último grupo.
Penso que os maranhenses têm um pouco de poeta e escritor nas veias, mas somente aqueles que se submetem à dura tarefa de redigir, e da ainda mais difícil tarefa de encontrar um canal para publicar seu trabalho; de se submeter ao escrutínio feroz da crítica, seja dos literários, seja da massa ignota que libera seu sadismo para compensar seus recalques na forma de ácida crítica contra os homens de livre pensar; de não se deixar abater frente as adversidades, - somente esses poderão ter a chance do reconhecimento público. Felizmente existem espaços como este site para se compartilhar opiniões sinceras, entre mulheres e homens sinceros escritores e leitores.
A Kkampus, meus parabéns. Continue a escrever e refinar sua arte, o mundo sairá lucrando. Um dia, quem sabe? Poderemos ter a Graça de dizer “conheci Kkampus, um dos maiores brasileiros”.
Aos leitores e jovens escritores, maranhenses, brasileiros ou cidadãos do mundo, ânimo. A vossa arte nos libertará.

*Remeto-me à comissão que escolhe os contos que concorrerão oficialmente ao prêmio da Feira Internacional de Literatura de Parati no ano de 2008.

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