domingo, 10 de março de 2013

Caetano Veloso um medalhão que não corteja o fácil

Lançamento

Caetano Veloso um medalhão que não corteja o fácil

Abraçaço fecha uma trilogia que rompeu com o pop convencional

Caetano e banda / Foto: Divulgação

Caetano e banda

Foto: Divulgação

Abraçaço (Universal Music) disco que fecha a trilogia iniciada em 2066, com Cê, e continuou em 20099, com Zii e zie, Abraçaço, também não é um disco fácil. Aliás , “fácil”, Caetano nunca foi. Leãozinho ou Menino do Rio são acidentes em sua obra. Seus maiores sucessos aconteceram com composições alheias: Meia lua inteira (Carlinhos Brown), ou Sozinho (Peninha). Abraçaço não é disco de quem está pensando nas paradas. A melodia quase o tempo inteiro é enquadrada em segundo plano. Difícil imaginar, por exemplo, uma Ivete Sangalo cantando este repertório. É o que acontece, por exemplo, em Um comunista: “Um mulato baiano/muito alto e mulato/filho de um italiano e de uma preta uçá/foi aprendendo a ler/olhando o mundo à volta/e prestando atenção no que não estava à vista/assim nasce um comunista”. Canção-documentário sobre o guerrilheiro Carlos Marighella (assassinado em 1969, numa rua de São Paulo).
Na letra, Caetano se posiciona em favor do idealista (“os comunistas guardavam sonhos”), ao mesmo tempo em que confessa que não crê em violência ou guerrilha.  Canto quase falado, a banda Cê pontua com incursões incidentais o roteiro, a melodia montada em poucos acordes, enfatizando a letra. Curioso é que o baiano Carlos Marighella, que não está na letra de Um comunista, tem seu nome bradado em Alfômega (Gilberto Gil), faixa do Álbum Branco, de 1969. Isto numa época em que a imprensa só poderia citá-lo autorizada pela censura.
“O bardo judeu romântico de Minnesota”, na letra de A bossa nova é foda, obviamente, trata-se de Bob Dylan, com quem a música de Caetano Veloso cada vez mais se parece, não em forma, mas em conteúdo. Assim como Dylan, ele, aos 70 anos, cada vez mais procura desvendar os mistério do homem e do ato de viver. E nem sempre repassa com objetividade estas incursões ontológicas. Ele mesmo comentou que alguns versos de novas canções são como charadas. “O magno instrumento grego antigo”, expressão encontrada em A bossa nova é foda, significa a “lira”, por sua vez, referência a Carlos Lyra, autor de Influência do jazz, citada na letra.

Melhor faixa do disco, A bossa nova é foda é a reafirmação, recorrente no discurso dos tropicalistas, da admiração a João Gilberto, e à excelência da bossa nova, bem manufaturado de um país até então exportador de produtos primários. A bossa nova é linkada aos lutadores de MMA, como exemplos de invenções nacionais que ganharam mundo. Com uma diferença básica: a bossa nova antecipou o amor, o sorriso e a flor da utopia hippie. Os gladiadores Vitor Belfort ou Anderson Silva refletem a antiutopia preconizada por Anthony Burgess em Laranja mecânica. A bossa nova é foda cita ainda o Olavo Bilac (1865/1918), do poema Música brasileira: “E em nostalgias e paixões consistes/lasciva dor, beijo de três saudades/flor amorosa de três raças tristes”.
Caetano, nunca foi exatamente um autor fácil. muito menos nesta trilogia. Assim como na música mais recente de Bob Dylan, as citações permeiam os versos das canções,: “Mulher indigesta/você só merece o céu/como está no samba de Noel”, canta em Funk melódico, referência à uma nuance do funk carioca, diatribe com uma A bem-humorada citação ao samba de Noel Rosa, Mulher indigesta, que rimava com um tijolo na testa: “Não tenho um tijolo, nem paralelepípedo/só me resta o funk melódico”. Quando cnata "prova que o ciume é só o estrume do amor, recorre ao Vinicius Moraes de Medo de amar ("Nascer de mim, como do deserto uma flor
E compreender que o ciúme é o perfume do amor")
Discursivo e confessional, Abraçaço não é, como se tem dito, experimental. Caetano Veloso rompeu desde 2006, ano de Cê, com a canção pop, para consumo e deleite dos que consomem seus discos. O que reforça em Recanto, a série de canções feitas para Gal Costa. A trilogia é interligada. Estou triste, de Abraçaço, entre o blues e o adágio, leva à Minhas lágrimas, de Cê. Ambas pungentes e confessionais, de letra que vai direto à ferida (Estou triste/tão triste/estou muito triste”). E aqui se ressalte o trabalho de Pedro Sá, Marcelo Callado, e Ricardo Dias Gomes. Eles cumprem com maestria o papel de acentuar momentos, iluminar tons smbrios, soando acima da voz de Caetano somente quando a canção assim o exige. Uma destas raras ocasiões, em O império da lei, que começa em levada de carimbó, e tem um momento percussivo que lembra o Nação Zumbi.
Ritmicamente Abraçaço é sempre surpreendente, com tempos esquisitos, batidas descompassadas, como em Parabéns (com Mauro Lima), um e-mail musicado, de letra repetitiva. Aqui e acolá um gênero identificável facilmente. como o samba O abraçaço, rasgado no final pela guitarra mais roqueira do álbum. No final do disco, uma quase convencional canção de amor, não fosse demasiada lenta, e pelo título Gayana. Parceria com Rogério Duarte, com quem assina Anunciação, em seu disco solo tropicalista de 1968. O amor que vive em mim/vou agora revelar/este amor que não tem fim/já não posso em mim guardar/eu amo você/eu amo muito você”, lembra versos de Roberto Carlos.
Caetano Veloso tem muito a dizer, e diz.
FRASES - Um paralelo é que a criação do MMA foi daqui. Essa mistura dessas lutas vem dos Gracie e os brasileiros eram quase que a totalidade das grandes figuras do MMA. Mas a outra coisa é que o João Gilberto gosta de luta. Sempre gostou e seguramente gosta de MMA (sbre a citaçã ode nomes de lutadores de MMA em A bossa nova é foda)

“Eu ainda penso no ouvinte hipotético, sinto a presença dos ouvintes hipotéticos, os imagino, mas a canção vai se impondo” (sobre canções consideradas difíceis)

A Bossa Nova É Foda, do disco novo, é quase um jogo de palavras cruzadas, uma charada, mas o importante é o essencial. E o essencial é que a bossa nova é foda. Ali há outras referências. Ao ouvir “o bruxo de Juazeiro”, não é possível que uma pessoa não saiba a quem estou me referindo. E mesmo que “o magno instrumento grego antigo” seja uma maluquice, como se fosse outro desafio de palavras cruzadas, em seguida você ouve que “diz que quando chegares aqui que é um dom que muito homem não tem que é influência do jazz”. Não é possível que não perceba que eu estou falando de Carlos Lyra (sobre a complexidade de algumas letras)

Das coisas da minha vida (olha para baixo). Fiz porque estava mesmo triste e até fazer a canção me ajudou a superar aquele momento... (sobre a canção Estou triste)

É mistura criada a partir do Brasil, entendeu? Então nesse ponto tem um paralelo com a bossa nova. E tem um desejo em toda a canção de fazer um retrato da bossa nova como gesto histórico e estético agressivo. Não o clichê da coisa doce, e suave. Mas não é nenhuma novidade, é apenas uma maneira de dizer. Essa canção é outra maneira de dizer algo que vem sendo dito por mim, pelo Tom Zé, pelo Gil, por diversas pessoas há muito tempo (mais uma vez sobre a ligação entre bossa nova e MMA).

A canção “Um abraçaço” é bonita e melancólica. É muito simples, ela quase não existe, mas tem emoção. E essa emoção é cheia de melancolia, marcada pela melancolia (sobre Abraçaço)

Abraçaço é uma palavra muito bonita e tem essa reverberação, parece um eco, mais ainda quando escrito, esse a-ce-cedilha duas vezes. É como se fossem círculos concêntricos de abraços, que vão se expandindo. Não é apenas grande ou maravilhoso como é um golaço, por exemplo (idem).

Sou um medalhão rebelde (sobre ele mesmo)