quarta-feira, 28 de maio de 2008

Saudades que eu conto aqui (1)


É tão extenso tudo o que eu poderia falar sobre minhas saudades, que paradoxalmente fica uma sensação de que por ser tão difícil sintetizar tudo, quase não me resta muito a dizer. Por isso, esperando não tornar o texto(s) cansativos, resolvi dividi-los em partes. Então, vamos lá: Há muito venho notando que não abandonei minha infância, meus 12, 13, 14, 15 anos principalmente. Já quase tive vergonha ao me pegar angustiado e com lágrimas nos olhos pelas melancolias, alegrias e tristezas que são alimentadas pelas saudades que eu gosto de ter. Amores que não se concretizaram em amassos, abraços e beijos são eternos. E eu gosto dessa idéia de eternidade. Onde as coisas não se foram, mas são e serão eternizadas em mim. Um certo dia, embriagado de um senso comum cruel, meu Pai comentou: "Henrique não cresceu", e eu não lembro muito bem, mas parece que fiquei triste. Hoje eu não sei o que ele pensa, eu não sei se ele lembra, não me importa isso. Mas precisei ter hoje a idade que ele talvez tivesse naquele dia pra dar-lhe quase razão. Não é que eu não tenha crescido, talvez o que aconteceu é que eu não abandonei o que de melhor havia e há em mim. Eu gosto mesmo é de ter saudade! Pra começar são 12.00h de uma segunda feira de um mês do ano de 1977 - Calça impecavelmente engomada, meias limpas, tênis pretinho reluzente e um blusão branco de barra e punhos vermelhos e uma inscrição "Santa Teresa". Ansiedade era meu primeiro dia na nova escola. Fiquei triste ao constatar a distância dos meus pais. Era eu e meu irmão e ninguém mais. Minhas aulas acabavam no final da tarde. E é no Crepúsculo que as dores são mais fortes, as saudades mais melancólicas e as tristezas mais tristes. Eu me conformava quando minha avó dizia-me: "Tua Mãe nem está pensando em ti". Que sabedoria! Minha , já sabia que mais do que sentir falta, vale muito o que pensamos fazer sofrer os outros com nossa ausência. Antes de começar a gostar da minha nova escola ou de aceitar as faltas que eu sentia, tratava de disfarçar depois das aulas caminhando quase que correndo para os fundos das Lojas Brasileiras (Lobrás). Lá tinha uma seção de brinquedos e eu brincava olhando até às seis chegar. Quando já habituado com meus novos colegas vi meus recreios serem alegres e curtos, sempre ou quase sempre preenchidos com chocolate que degusto até hoje nesse meu coração nada "estomacal". Saudades da "Locomotivas" e de uma canção chamada "Piu" (Ornela Vanoni). O tempo com certeza passou, mas eu ainda me encontro alí, quando quero ou não. O Futebol, A Escrava Isaura, Wesley, Adalberto, Karinne, André, Mônica, Socorro, Fátima, Rejane, Sérgio, Anselmo, Eu e tantos mais. Ah! e eu me pergunto sem pensar: "Pra que servem minhas saudades?"- Talvez eu mesmo saiba responder, mas não valeria a pena, acabaria a fantasia de poder vivê-las. Escrever sobre isso, como disse antes não é fácil, sou interrompido por lampejos que sem pedirem autorização me invadem em pequenos filmes que tão realisticamente transportam-me para tempos que não voltam mais. Agora, dou-me por vencido como vêem já são 18.09h e não vou brigar contra o crepúsculo que não precisa de minha permissão pra acontecer. Continuo outro dia.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Que vontade de mandar uma PORRA bem grande! Publicado 19/05/2008

Puta que pariu. E eu que pensei que meu vicio era só o cigarro, acabo de entregar os pontos. Estou quase que dependente do rádiojornalismo. Viciei-me agora só dormir acompanhado das notícias que invadem minhas madrugadas quase sempre cheias de insônia. Putz, fico sabendo antes do Jornal Hoje, tudo o que vai ser noticia. Mas o pior é que o assisto, só pra ratificar minha incredulidade em cima dos absurdos quase mudos que se repetem diariamente. Saibam que a mais nova do governo é ressuscitar o filho da puta do CPMF, tarifa?: Vai começar com 0,08%, e a gente vai tomando. Outra: Este mês de maio o país bateu o recorde em arrecadação entre todos os meses de nossa história. E a "Jovem Pan" pergunta: Onde é que vai parar isso? - Claro que eu sei que isso é, será um problema de todos nós, que o País dos impostos, "tão pobrezinho", empresta grana e energia para aqueles hermanos que nos chamam de macaquitos. É horrível ter que manter a postura, pois se não fosse isso eu diria. Paízinho FDP, isso é que é gozar com o PDO. Agora o conselho que recebo é prá que eu não fique assim, que eu não me importe com tais coisas. Ah! como eu gostaria de ouvir isso do meu Psicólogo, com certeza ele iria entender eu falar: Vai tomar no...! E não para por aí não. tem aquelas merdinhas domésticas que enchem o saco. É foda! Não sei mais o que faço pra manter a minha imagem de pobre. Não posso ficar mais esquelético, comprar cigarro a retalho, economizar, economizar... Tenho uma tendência filha da mãe a ser visto pelo que não sou. Sabe aquele cara que você chamou pra arrumar a goteira? Pois é, pegou meu trocado, disse que ia alí e nunca mais apareceu. A diarista que vem três vezes por semana, pra ela eu não sou rico, sou milionário... rsrsrs. Acreditem meus amigos, ela tá mal acostumadinha, que é uma maravilha. Cigarro? só do meu (que as vezes é um pouquinho melhor). Quer dizer, agora tá virando parceira. Divide tudo, é uma comédia. Agora vou ter que revistar o lixo, pois desconfio que o que ela não me ver usando, conclui que não serve mais e taca no mato. Mudando um pouquinho: Vocês já viram a situação de Mianmar, alguém pode me explicar essa loucura? Governo filho da puta, desumano, desonesto e maldito. Vez ou outra sou cobrado pelo meu enclausuramento, nada respondo. Talvez eu não tenha motivos para tal, mas menos motivos tenho pra correr atrás de bandidos que estão em cada esquina. Prefiro meu rádio, meu café, meus livros, minha família e minha Diarista.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Há em mim...


Há em mim uma tristeza abafada, escondida em algum lugar. Há em mim uma alegria adiada, uma euforia danada que nem sei como explicar. Há em mim! Rebusco os cantos de minha alma tentando descobrir alguma coisa que deva existir prá acalentar meu espírito, para acalmar os meus prantos que são tantos que nem dá para contar. E essas dores malvadas, que também se escondem na alma que por pura covardia não me deixam confrontar. Aí, é um reboliço medonho, um redemoinho tristonho, uma loucura enfática, uma viagem dramática, um quase fim sem nunca findar. Há em mim um desejo no peito, uma busca de um leito que me faz praguejar. Há em mim uma esperança incontida, paliativando minha vida, prá eu poder respirar. Mas recupero a consciência, me encho de decência prá poder acordar. Eita! mundo medonho, covarde e tristonho a me esperar. Recuperando a esperança, levando feito criança a alegria de um brinquedo novo que tardará a chegar!

sábado, 10 de maio de 2008

Mãe (Caetano Veloso)

Palavras, calas, nada fiz
Estou tão infeliz
Falasses, desses, visse não
Imensa solidão
Eu sou um Rei que não tem fim
Que brilhas dentro aqui
Guitarras, salas, vento, chão
Que dor no coração
Cidades, mares, povo, rio
Ninguém me tens amor
Cigarra, camas, colos, ninhos
Um pouco de calor
Eu sou um homem tão sozinho
Mas brilhas no que sou
E o teu caminha e o meu caminho
É um nem vais nem vou
Meninos, ondas, becos, mãe
E só porque não estais
És para mim que nada mais
Na boca das manhãs
Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim
Eu canto, grito, corro, rio
e nunca chego a ti

Sobre jardins e paisagens


Trechos de uma linda crônica de Rubem Alves :

"Eu acho que Deus, ao criar o universo, pensava numa única palavra: Jardim! Jardim é a imagem de beleza, harmonia, amor, felicidade. "

Queria um jardim que falasse. Pois você não sabe que os jardins falam? Quem diz isto é o Guimarães Rosa: "São muitos e milhões de jardins, e todos os jardins se falam. Os pássaros dos ventos do céu - constantes trazem recados.

Você ainda não sabe.
Um dia você terá saudades... Vocês, então, saberão...

" É preciso ter saudades para saber. Somente quem tem saudades entende os recados dos jardins. Não chamei um paisagista porque, por competente que fosse, ele não podia ouvir os recados que eu ouvia. As saudades dele não eram as saudades minhas. Até que ele poderia fazer um jardim mais bonito que o meu. Paisagistas são especialistas em estética: tomam as cores e as formas e constróem cenários com as plantas no espaço exterior. A natureza revela então a sua exuberância num desperdício que transborda em variações que não se esgotam nunca, em perfumes que penetram o corpo por canais invisíveis, em ruídos de fontes ou folhas... O jardim é um agrado no corpo. Nele a natureza se revela amante... E como é bom!

Mas não era bem isto que eu queria. Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que existia dentro de mim como saudade. O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora; era a poética dos espaços de dentro.

Eu queria fazer ressuscitar o encanto de jardins passados, de felicidades perdidas, de alegrias já idas. Em busca do tempo perdido...

Saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade. Mais do que isto: é compreender que a felicidade só voltará quando a realidade for transformada pelo sonho, quando o sonho se transformar em realidade. Entendem agora por que um paisagista seria inútil? Para fazer o meu jardim ele teria que ser capaz de sonhar os meus sonhos...

Leia aqui a crônica completa na Casa de Rubem Alves

terça-feira, 6 de maio de 2008

Jesus-A transformação moral do indíviduo

Jesus: a transformação moral do individuo.
Jesus não deixou nada escrito, e nada se escreveu sobre ele enquanto viveu. Nas gerações que se seguiram à sua morte, os historiadores romanos e judeus pouca atenção lhe dedicaram. Conseqüentemente, quase tudo que sabermos a respeito de Jesus vem do Novo Testamento, que foi escrito por seus discípulos, décadas depois de sua morte, com o objetivo de transmitir uma verdade religiosa e propagar uma fé. Os historiadores modernos submeteram o Novo Testamento a um exame critico e rigoroso, que possibilitou alguma compreensão sobre Jesus e suas crenças. A maior parte se refere a ele, no entanto, ainda permanece obscura.
Por volta dos 30 anos, influenciado sem duvida por João Batista, Jesus começou a pregar o advento do reino divino e a necessidade do arrependimento – de que as pessoas passassem por uma transformação moral para que pudessem entrar no reino dos céus. Para Jesus, o advento do reino era iminente; o processo que levaria a seu estabelecimento na terra já havia começado. Logo surgiria uma nova ordem, na qual Deus governaria seu povo com justiça e misericórdia. Por isso, o presente tinha para ele importância critica – era o momento do preparo e da penitencia espiritual -, pois os pensamentos, objetivos e atos do homem determinariam sua entrada ou não nesse reino. As pessoas deviam modificar radicalmente suas vidas, dizia ele, eliminando os sentimentos baixos, lúbricos, hostis e egoístas; deviam abandonar a busca de riqueza e de poder, purificar seus corações e mostrar seu amor por Deus e por seus semelhantes.
Embora não pretendesse afastar seus semelhantes da religião ancestral, Jesus preocupava-se com o judaísmo de sua época. Os rabinos ensinavam a regra de outro do Evangelho, bem como o amor e a misericórdia de Deus para seus filhos, mas parecia-lhe que essas considerações éticas estavam senso solapado por uma exagerada preocupação rabínica com o ritual, as restrições e as sutilezas da Lei. Jesus achava que o centro do judaísmo se transferira dos valores proféticos para a obediência às normas e proibições que controlavam os menores detalhes da vida cotidiana. Para os lideres judeus, naturalmente, as normas detalhadas que regulavam o comer, o lavar-se, a observância do sábado, as relações familiares, etc…, eram mandamento de Deus, destinados a santificar todas as atividades humanas. Na opinião de Jesus, essa visão rígida da lei deformava o significado dos ensinamentos proféticos. As regras visavam apenas ao comportamento aparente do homem sem penetrar em sua essência interior, nem provocar uma transformação moral. Era o intimo do homem que interessava a Jesus, que buscava provocar uma modificação interior. Com o fervor de um profeta, ele insistia na transformação moral do caráter humano pelo encontro direto do individuo com Deus.
Os escribas e sacerdotes judeus, guardiões da fé, consideravam Jesus como uma ameaça as tradições antigas; um agitador que questionava o respeito pelo Sabá. Em resumo, os lideres judeus achavam que Jesus colocava sua autoridade pessoal acima da Lei mosaica – o que, a seus olhos, era uma imperdoável blasfêmia. Para os romanos que governavam a Palestina, Jesus era um agitador político que poderia inflamar as expectativas messiânicas hebraicas, transformando-as numa revolta contra Roma. Quando os lideres judaicos o entregaram às autoridades romanas, o procurador romano, Pôncio Pilatos, condenou-o à morte na cruz – método comum de execução dos culpados por alta traição.
Alguns hebreus, acreditando que Jesus era um profeta inspirado ou mesmo o messias há muito esperado, tornaram-se seus seguidores. A época de sua morte, o cristianismo não era uma religião à parte, mas uma pequena seita hebraica com poucas perspectivas de sobrevivência. O que consolidou o movimento cristão e lhe deu forca foi à convicção dos seguidores de Jesus de que ele se levantara do tumulo no terceiro dia após seu enterro. A doutrina de ressurreição possibilitou a crença em Jesus como um deus-salvador, que viera a terra mostra o caminho dos céus.
Nos anos imediatamente seguintes à crucificação, a religião de Jesus limitou-se quase apenas aos judeus, que poderiam ser chamados, adequadamente, de judeus – cristãos. A palavra cristão vem do nome dado a Jesus: Cristo (o Ungido do Senhor, o Messias). Antes que o cristianismo pudesse compreender as implicações universais dos ensinamentos de Jesus e tornar-se uma religião mundial, tinha de libertar-se do ritual, da política e da cultura judaicas. Esse feito coube a um judeu helenizado, de nomes Saulo conhecido pelo mundo como São Paulo.

sábado, 3 de maio de 2008

Deus lhe Pague (Chico)

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O que amo na Igreja (Por Rubem Alves)



Acho que o Papa deveria promulgar uma encíclica tornando obrigatório o uso do Latim nas coisas da Igreja. Assim eu me converteria. Os padres modernosos, que gostam de ensinar e conscientizar, dirão que o latim ninguém entende. Retruco: pois só assim eu me converteria. Seria preciso que eu não entendesse nada. Os carismáticos estão certos. Falam línguas estranhas, e nessa estranheza se encontram com o seu Deus. Um Deus que se compreende não pode ser grande coisa. Um mar que se compreende não passa de um aquário. A. Gottlieb disse que os seus símbolos favoritos eram aqueles que ele não entendeu. Digo amém. Por isso amo o latim: porque não o entendo. Como não entendo os riachos, os pássaros, o vento, as minhas netas, e os amo todos.

Minha educação foi protestante. Os protestantes tinham raiva dos católicos. E com razão. Latim era coisa de padre. Por isso protestante não estudava latim. Assim, não aprendi. Mas amo o latim por causa da música. Cristal puro. Beleza das esferas cósmicas. Se papas, bispos e padres só falassem latim eu me converteria à Igreja: precisamente por não entender a letra da música que eles cantam, e ouvir a melodia do brando encanto do seu canto.

Tenho uma teoria sobre o Pentecostes. Como é sabido, naquele dia os apóstolos falaram a língua que sabiam falar, e todo mundo ouviu como se fosse nas próprias línguas estranhas que eles, turistas estrangeiros, falavam. Para mim só existe uma possibilidade de explicação desse milagre. Eles não falaram. Eles cantaram. Ali se inventou o vocalise. Vocalise é uma canção sem palavras. A voz é usada como um instrumento. Pura voz, pura música, pura beleza, sem sentido, sem nada dizer. Por isso, por nada dizer, todo mundo entende. Quem não sabe sobre que estou falando que escute a Bachianas Brasileiras n. 5, para soprano e oito violoncelos. Ou a Pavana, de Gabriel Fauré, cantada pela Barbra Streisand. A beleza não precisa do sentido. Ela salva sem nada dizer. Sim, eu me converteria a uma religião onde as palavras fossem silenciadas para que a música pudesse ser ouvida.

Assim fico eu diante da Igreja, repetindo o poema do Ricardo Reis:

“Cessa o teu canto.
Cessa, porque enquanto o ouvi
ouvia uma outra voz
como que vindo nos interstícios
do brando encanto com que o teu canto vinha até nós...“

Não quero entender nada do que se diz. Na verdade, não quero que coisa alguma seja dita. “A Palavra“, diz a Adélia, “é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda, foi inventada para ser calada.“

Neste momento estou ouvindo canto gregoriano da Schola Ungarica. Agora entraram as vozes femininas dos meninos. Cantam em latim. Que estão dizendo? Sei lá. E nem quero saber. A beleza me basta. A beleza faz amor com o corpo. Por isso ele treme e chora. As palavras ficam na cabeça. Lembro-me do dito por Kierkegaard, um filósofo protestante que entendia dessas coisas: “A Verdade não está naquilo que é dito mas no como ele é dito.“ Deus não está na letra. Está na música.

Para amar a Igreja eu paro de pensar. É preciso fazer dormir a minha inteligência. Recito o verso o Alberto Caeiro: “Pensar é estar doente dos olhos“. Cessado o pensamento eu me transformo num ser só de sentidos, do jeito mesmo como nasci. Eu sou olho, ouvido, nariz, boca, pele. Vejo, ouço, sinto cheiros, sinto gostos, sinto toques. Amo a Igreja por suas artimanhas erotizantes, por aquilo que ela faz com os meus sentidos.

O canto gregoriano continua. Vai fazendo sua tarefa de sedução sensual. Penetra suavemente nos meus ouvidos como uma macia serpente de veludo, até atingir o centro da minha alma onde se localizam os meus pontos erógenos. Cada sentido tem pontos erógenos que lhes são peculiares. Me entrego à melodia. Estou derrotado. Esse canto gregoriano, talvez a maior produção da Igreja Católica no campo da música (como se sabe J. S. Bach era protestante) me faz esquecer tudo o que disseram teólogos, bispos e papas em todos os séculos de vida (e morte) da Igreja.

A sedução da música não pára aí. Amo os sinos. Para mim, um dos mais belos versos da língua portuguesa é o escrito pelo Álvaro de Campos: “Todo cais é uma saudade de pedra.“ Eu acrescento: “E todo sino é uma saudade de bronze.“ Os cais anunciam partidas e distâncias. Os sinos anunciam mundos que não existem mais. Não há nada mais contraditório que o repicar dos sinos nas cidades grandes. Às cidades pertence o barulho das buzinas, dos trios elétricos, dos alto-falantes. A música dos sinos é uma borboleta que entra na cela de uma prisão. Ela fala de mundos que só existem na saudade. A sua música nos vêm de lugares indefinidos num passado distante. Como eu acho que Deus mora é na saudade, o repicar dos sinos, que nada diz e nada significa, é um altar construído com sons. Fosse eu o Papa e ordenaria que os sinos fossem tocados três vezes por dia: às seis da manhã, ao meio dia e às seis da tarde. Os sinos fariam o corpo se lembrar de Deus mais que muitos sermões.

Onde estão eles, os sinos? Sei não. A Igreja se modernizou. Acho que ficou com vergonha de suas coisas antigas. Em São Paulo havia um seminário e no centro do pátio havia um sino que marcava o ritmo da vida. O sino desapareceu. No seu lugar, uma coisa moderna, uma cigarra estridente, parecida com voz clerical.

E a sedução dos olhos? As terríveis telas de Grünenwald, os Cristos crucificados mais horrendos que jamais vi, os pesadelos de Bosch, os transparentes Cristos de Salvador Dalí, as madonas de Rafael, a Pietà de Michelangelo. O protestantismo não produziu nada que pudesse se comparar a essas obras de arte, por medo da idolatria. O protestantismo sempre teve medo da beleza em sua objetividade plástica: é muito fácil que o encantamento do belo transforme o belo objeto em fetiche. Para não correr o risco da tentação os protestantes seguiram à risca o conselho evangélico: arrancaram os olhos.

Parei um pouco de escrever para folhear um maravilhoso livro que comprei - Le Vitrail (O vitral). Ali se encontra a arte do trabalho com os vidros, as cores, as transparências, a luz. Ah! Como é maravilhosa uma catedral gótica quando a luz do sol se filtra através do vitral. Isso não pode se transformar em ídolo. É como o arco-íris: não pode ser tocado.

Amo os vitrais. Foi uma maravilhosa poetisa, a Maria Antônia, professora em Mato Grosso, que me ensinou que a alma é um vitral.

“A vida se retrata no tempo
formando um vitral,
de desenho sempre incompleto, de cores variadas,
brilhantes, quando passa o sol.
Pedradas ao acaso
acontece de partir pedaços,
ficando buracos irreversíveis...“

E amo também os espaços vazios das catedrais góticas, por onde a alma voa. E os mosteiros e seus claustros, os jardins, as fontes, as ervas. Também amo o incenso, erotização perfumada do meu corpo.

Vocês devem ter entendido: amo, na Igreja, tudo aquilo que saiu das mãos dos artistas. Mas, quando ouço as explicações do teólogos e mestres, o encanto se quebra e eu desejo que eles tivessem falado em latim, para que eu não tivesse entendido. A letra acaba com a música. Por isso, só desejo repetir o dito pelo Ricardo Reis: “Cessa o teu canto...“ Deixa que a Beleza, sem palavras ou catecismos, evangelize o mundo. Deus é Beleza.

Agradecimento!

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quinta-feira, 1 de maio de 2008

O Homem Velho (Caetano Veloso) A pedido

O homem velho deixa a vida e morte para trás
Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais
O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais
O homem velho é o rei dos animais

A solidão agora é sólida, uma pedra ao sol
As linhas do destino nas mãos a mão apagou
Ele já tem a alma saturada de poesia, soul e rock’n’roll
As coisas migram e ele serve de farol

A carne, a arte arde, a tarde cai
No abismo das esquinas
A brisa leve traz o olor fulgaz
Do sexo das meninas

Luz fria, seus cabelos têm tristeza de néon
Belezas, dores e alegrias passam sem um som
Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron
E ao seu olhar tudo que é cor muda de tom

Os filhos, filmes, ditos, livros como um vendaval
Espalham-no além da ilusão do seu ser pessoal
Mas ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem igual
Já tem coragem de saber que é imortal